São Paulo, quarta-feira, 14 de novembro de 2007

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Lucas discute ordem britânica

Artista brasileira faz intervenção com árvores e arbustos no jardim da Tate Modern, em Londres

Renata Lucas confunde fronteiras entre público e privado, mudando ordem de espaços; na última Bienal de SP, duplicou uma calçada

RAFAEL CARIELLO
DE LONDRES

"Mind the gap", em inglês algo como "tenha em mente, não se esqueça do intervalo" entre o trem e a plataforma, é provavelmente a frase mais ouvida em todo o Reino Unido. Repete-se nas inúmeras paradas do extenso metrô de Londres a cada estação.
Serve também como síntese de uma cultura em que as distinções e as diferenças são sempre muito bem demarcadas. A artista plástica brasileira Renata Lucas, 36, resolveu desrespeitar o aviso.
Ela participa desde o final do mês passado da mostra coletiva "The World as a Stage" (o mundo como palco) numa das mais importantes instituições da arte contemporânea, a Tate Modern, às margens do rio Tâmisa.
Descoberta em São Paulo por uma das curadoras do museu quando participava da última Bienal, e convidada a criar uma obra a ser exibida por aqui, Renata inventou "The Visitor".
Num dos jardins completamente simétricos plantados à frente do museu, entre árvores que alinhadas recortam espaços retangulares de grama, ela fez atravessar o tal "visitante".

Interferência
Trata-se de uma confusão de árvores locais, samambaias, mato e outras plantas misturadas e desalinhadas, que parecem invadir a calma e atrapalhar a ordem do lugar, apontando na direção da porta principal da Tate.
No espaço de exibição da mostra, alguns andares acima e dentro do amplo prédio, o espectador tem que dar as costas para o restante das obras e ir até as janelas que dão para o rio para poder descobrir, ao lado de uma delas, uma pequena placa que indica a obra que está lá embaixo.
Intervindo nos jardins dos ingleses, Renata usa um tema local para dar seqüência ao tipo de projeto que já desenvolvia no Brasil. "O tema paisagístico é importante por aqui. Os ingleses têm obsessão por jardinagem", ela diz.
Ao mesmo tempo que têm obsessão por ordem e por limites rígidos e fronteiras claras entre diferentes espaços, entre o que é e o que não é institucional, entre público e privado. A confusão dessas fronteiras é justamente o método de trabalho da artista, o que torna o Reino Unido um espaço privilegiado -e difícil- para as suas obras.

Fundo contra fundo
Na Bienal, por exemplo, ela "instalou" uma nova calçada, contígua à que já existia, numa das ruas do bairro da Barra Funda, na capital paulista. Tudo foi duplicado: o meio-fio, a linha de postes, os canteiros. Novos canteiros às vezes esbarravam com os antigos, e ficava difícil para quem chegava a essa calçada pela primeira vez saber qual era a original e qual era a duplicata.
É essa duplicação e esse questionamento do espaço original que, embora demandando enormes e caras intervenções, torna a sua obra de certo modo sutil. "É fundo contra fundo. Não tem um contraste muito grande", ela diz.
"É uma espécie de colagem. Tento traduzir um lugar em outro. Trazer uma faixa de um lugar no outro. Quando você faz isso, na verdade faz com que tudo pareça muito ficcional. Essa instância de dúvida faz com que você questione tudo: o real e o ficcional."
Um dos riscos que ela corre com essa idéia de fundos duplicados é que as pessoas simplesmente não percebam suas obras. No caso da exposição da Tate Modern esse risco é claro, já que é preciso que o espectador "desista" dos outros artistas para, por sorte, encontrar, sua obra misturada ao jardim lá fora. Concorda?
"Totalmente", ela diz. "Mas gosto muito dessa idéia de uma pessoa contar para a outra o que viu. "Nossa, perdi", alguém pode dizer. Acho que as pessoas precisam prestar atenção."


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