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Lucas discute ordem britânica
Artista brasileira faz intervenção com árvores e arbustos no jardim da Tate Modern, em Londres
Renata Lucas confunde fronteiras entre público e privado, mudando ordem de espaços; na última Bienal de SP, duplicou uma calçada
RAFAEL CARIELLO
DE LONDRES
"Mind the gap", em inglês algo como "tenha em mente, não
se esqueça do intervalo" entre o
trem e a plataforma, é provavelmente a frase mais ouvida
em todo o Reino Unido. Repete-se nas inúmeras paradas do
extenso metrô de Londres a cada estação.
Serve também como síntese
de uma cultura em que as distinções e as diferenças são sempre muito bem demarcadas. A
artista plástica brasileira Renata Lucas, 36, resolveu desrespeitar o aviso.
Ela participa desde o final do
mês passado da mostra coletiva
"The World as a Stage" (o mundo como palco) numa das mais
importantes instituições da arte contemporânea, a Tate Modern, às margens do rio Tâmisa.
Descoberta em São Paulo por
uma das curadoras do museu
quando participava da última
Bienal, e convidada a criar uma
obra a ser exibida por aqui, Renata inventou "The Visitor".
Num dos jardins completamente simétricos plantados à
frente do museu, entre árvores
que alinhadas recortam espaços retangulares de grama, ela
fez atravessar o tal "visitante".
Interferência
Trata-se de uma confusão de
árvores locais, samambaias,
mato e outras plantas misturadas e desalinhadas, que parecem invadir a calma e atrapalhar a ordem do lugar, apontando na direção da porta principal
da Tate.
No espaço de exibição da
mostra, alguns andares acima e
dentro do amplo prédio, o espectador tem que dar as costas
para o restante das obras e ir
até as janelas que dão para o rio
para poder descobrir, ao lado
de uma delas, uma pequena
placa que indica a obra que está
lá embaixo.
Intervindo nos jardins dos
ingleses, Renata usa um tema
local para dar seqüência ao tipo
de projeto que já desenvolvia
no Brasil. "O tema paisagístico
é importante por aqui. Os ingleses têm obsessão por jardinagem", ela diz.
Ao mesmo tempo que têm
obsessão por ordem e por limites rígidos e fronteiras claras
entre diferentes espaços, entre
o que é e o que não é institucional, entre público e privado. A
confusão dessas fronteiras é
justamente o método de trabalho da artista, o que torna o Reino Unido um espaço privilegiado -e difícil- para as suas
obras.
Fundo contra fundo
Na Bienal, por exemplo, ela
"instalou" uma nova calçada,
contígua à que já existia, numa
das ruas do bairro da Barra
Funda, na capital paulista. Tudo foi duplicado: o meio-fio, a
linha de postes, os canteiros.
Novos canteiros às vezes esbarravam com os antigos, e ficava
difícil para quem chegava a essa
calçada pela primeira vez saber
qual era a original e qual era a
duplicata.
É essa duplicação e esse
questionamento do espaço original que, embora demandando enormes e caras intervenções, torna a sua obra de certo
modo sutil. "É fundo contra
fundo. Não tem um contraste
muito grande", ela diz.
"É uma espécie de colagem.
Tento traduzir um lugar em outro. Trazer uma faixa de um lugar no outro. Quando você faz
isso, na verdade faz com que tudo pareça muito ficcional. Essa
instância de dúvida faz com que
você questione tudo: o real e o
ficcional."
Um dos riscos que ela corre
com essa idéia de fundos duplicados é que as pessoas simplesmente não percebam suas
obras. No caso da exposição da
Tate Modern esse risco é claro,
já que é preciso que o espectador "desista" dos outros artistas para, por sorte, encontrar,
sua obra misturada ao jardim lá
fora. Concorda?
"Totalmente", ela diz. "Mas
gosto muito dessa idéia de uma
pessoa contar para a outra o
que viu. "Nossa, perdi", alguém
pode dizer. Acho que as pessoas
precisam prestar atenção."
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