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Crítica/"Cenas da Vida na Aldeia"
Amós Oz se afasta de cotidiano de guerra para investigar perdas
Contos de escritor israelense deixam de lado brigas, atentados e cenários reais
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Existem nomes que condicionam destinos. O
profeta Amós era um
duro crítico dos ricos e dos poderosos: "Ai dos que dormem
em cama de marfim", diz ele,
numa conhecida passagem.
O escritor israelense Amós
Oz não é muito diferente de seu
homônimo bíblico, como constatei recentemente ao participar com ele num debate realizado na Feira do Livro Judaico,
em Londres.
Mais uma vez ele mostrou
sua implacável coerência. Pacifista atuante, mas não ingênuo,
Oz externou seu apoio à retaliação israelense contra as ações
do Hamas em Gaza, criticando,
contudo, o fato de que, não restrita a uma operação de objetivos precisos e limitados, a operação acabou resultando em
uma verdadeira guerra com
centenas de vítimas civis.
Com outros escritores
(notadamente David Grossman), Oz funciona como a
consciência intelectual de Israel. Mas, apesar dos apelos de
Shimon Peres e dos esquerdistas do Meretz, Oz se recusa a fazer política partidária.
Ele é um escritor e escritor
de uma carreira extraordinariamente bem-sucedida. Autor
de mais de duas dezenas de
obras de ficção e de não ficção, detentor de vários prêmios importantes (é um candidato
mais ou menos permanente ao
Nobel), Oz é amplamente traduzido e certamente o mais conhecido escritor israelense.
Para os numerosos leitores
de Oz, "Cenas da Vida na Aldeia" (Companhia das Letras)
não deixará de se constituir numa surpresa.
Nenhum dos dramas que fazem parte do cotidiano israelense está presente aqui: não há
guerras, não há atentados, não
há brigas com os palestinos.
Mais: o livro não tem os habituais cenários de Jerusalém ou
Tel Aviv. As oito histórias que
compõem a obra ocorrem na
fictícia aldeia de Tel Ilan.
São narrativas independentes, embora os personagens
possam nelas reaparecer. E a
pergunta que imediatamente
emerge é: de que falam esses
contos, aliás magníficos?
A resposta se impõe. Falam
da condição humana. Falam de
pessoas que, diz o próprio Oz,
têm algo em comum: "É gente
que perdeu algo, algo que esses
personagens esconderam de si
mesmos e que agora estão buscando".
Em "Os Que São Próximos",
a médica Guili Steiner está esperando por um sobrinho, o
soldado Guid'on Gat, que deve
vir de Tel Aviv de ônibus.
O ônibus chega, mas nele não
está o rapaz. O conto descreve a
nervosa busca da doutora e vai
revelando que, na verdade, a
realidade entre tia e sobrinho
era muito complicada, e que esse desencontro, suposto ou
real, tem raízes muito mais
profundas.
Em "Os Que Esperam",
Benny Avni recebe um bilhete
da esposa. Diz simplesmente
"Não se preocupe comigo". Claro que ele se preocupa: corre
para casa, procura em vários lugares e não acha a esposa. Ela
sumiu, e esta é a dúvida que
sustenta a narrativa: por que
sumiu? Para onde foi?
A única história na qual há
uma alusão, não muito direta,
aos conflitos de Israel é "Os
Que Cavam". Ali encontramos
Pessach Kedem, um antigo deputado de esquerda.
Já senil, ele vive com a filha,
Rachel, que tem como inquilino um estudante árabe, Adel,
que a Pessach inspira suspeitas
(assim como lhe inspira rancor
seu passado esquerdista). Mas
os dois têm algo em comum:
eles acham que alguém está solapando os alicerces da casa, e
esse é o mistério da história.
Oz completou 70 anos em
2009. Setenta anos de uma vida
agitada, com passagem pelo kibutz, pelo exército, pela militância política. Mas 70 anos significam também a velhice, a
busca, muitas vezes desesperada, de um significado para a
existência.
"Este livro não poderia ter sido escrito por alguém jovem",
diz o autor. Verdade. E não poderia ter sido escrito por ninguém que não seja um grande
escritor.
CENAS DA VIDA NA ALDEIA
Autor:
Amós Oz
Tradução:
Paulo Geiger
Editora:
Companhia das Letras
Quanto:
R$ 38 (182 págs.)
Avaliação:
ótimo
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