São Paulo, domingo, 14 de novembro de 2010

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Davi e Golias, em versão colombiana

Como Hollman Morris, com seu pequeno televisivo "Contravía", despertou a ira do ex-presidente Álvaro Uribe

Apresentador de TV foi chamado de "cúmplice do terrorismo" por ter filmado libertação de quatro reféns das Farc

ROBERTO KAZ
ENVIADO ESPECIAL A BOGOTÁ

No dia 3 de fevereiro de 2009, após a libertação de quatro reféns das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, foi à televisão fazer um pronunciamento.
Dentre elogios aos militares, Uribe criticou duramente o jornalista Hollman Morris -apresentador do televisivo "Contravía"-, que, sem conhecimento do governo, acompanhou a ação, avisado por membros das Farc.
Morris declarou que as entrevistas que fizera, com homens recém libertados, eram de interesse nacional. Já Uribe preferiu taxá-lo de "cúmplice do terrorismo".
Em 5 de fevereiro daquele ano, a Human Rights Watch, organização em defesa dos direitos humanos, endereçou uma carta ao mandatário do país, desafiando-o a provar a acusação "ou extingui-la por completo".
Uribe se retratou publicamente -com uma frase discreta colocada no site da presidência. "Ninguém viu", contou Juan Pablo Morris, irmão de Hollman e produtor do "Contravía". "Por outro lado, a acusação foi transmitida massivamente."
O evento teve, para o jornalista, um duplo desdobramento. Ao passo em que passou a ser mal quisto por parte da população, Hollman se viu falando de igual para igual com o presidente. Foi como se Lula, em vez de criticar a imprensa, acusasse um repórter da TV Brasil.
Em outubro, a Folha visitou a produtora do "Contravía", um programa semanal, de baixa audiência, feito a US$ 5 mil o episódio.
No local, há fotos de Hollman com o escritor Gabriel García Márquez e com o subcomandante Marcos, porta-voz do Exército Zapatista de Libertação Nacional, grupo político-militar do México.
Abaixo, trechos da conversa, ocorrida ao vivo com o produtor Juan Pablo Morris e, por telefone, com Hollman, que está nos Estados Unidos em função de uma bolsa ofertada por Harvard.

Folha - Quando surgiu o "Contravía"? Juan Pablo Morris - Em 2003, financiado pela União Europeia. De cara, conquistamos o Simon Bolívar e o India Catalina, dois principais prêmios de jornalismo da Colômbia. No ano seguinte, a Embaixada da Holanda financiou outros 60 capítulos.

Quantas pessoas fazem o programa? Juan Pablo - Eu, meu irmão, um jornalista, um estagiário e um câmera. Viajamos de ônibus, dormimos de favor na casa dos outros. Transmitimos na menor emissora, o Canal Uno, quase todo dedicado a televenda e programação religiosa. Compramos meia hora semanal por US$ 1.500.

Por que a briga com Uribe? Juan Pablo - Isso começou em 2005, quando fizemos o episódio "No Podemos Guardar Silencio", sobre San José Apartado, comunidade localizada em uma área de conflito entre militares e guerrilheiros. Em dez anos, 150 pessoas haviam sido mortas. O problema é que Álvaro Uribe governara esta região entre 1995 e 1997. Despertamos uma raiva pessoal.

O que aconteceu em seguida? Juan Pablo - Começaram as ameaças. Hollman recebeu flores em casa em "luto" por sua "futura" morte. Uribe o acusou de estar ligado às guerrilhas. A Embaixada da Holanda não prolongou o financiamento.

Atualmente quem banca o programa? Juan Pablo - A Fundação George Soros, que doou US$ 140 mil. Voltamos ao ar no domingo passado, com um episódio sobre a polícia secreta da Colômbia. [Juan Pablo pega uma caixa repleta de papéis]. Isso é o resultado da espionagem que eles fizeram sobre nós e que está sendo julgada pela Suprema Corte. Por sermos parte do processo, temos acesso [Ele mostra cópias de e-mails grampeados, um mapa com as viagens internacionais de Hollman e uma apostila de um suposto curso da polícia, cujo enunciado diz: "Iniciar campanha de desprestígio a nível internacional, através de comunicados e inclusões em vídeos das Farc"]. É um Watergate, só que pior.

Como vocês conseguiram acompanhar a libertação de reféns da Farc? Juan Pablo - Recebemos um telefonema das Farc no meu celular. Ligamos várias vezes de volta para averiguar se era cilada. Hollman e o cinegrafista decidiram ir à aldeia combinada e ficaram oito dias esperando, até receber outra ligação: "Vamos libertar os reféns. Se quiserem presenciar, o lugar é X." Hollman - Era uma ação de libertação. Antes, eu havia estado cinco vezes em acampamentos, todos sem reféns. Entenda: nunca vou deixar um campo de sequestrados com material jornalístico e sem os sequestrados.

Pretende voltar à Colômbia? Hollman - Estou nos Estados Unidos desde agosto, com minha família. Na Colômbia, são quase dez anos de ameaças, em que meus filhos cresceram com escolta. Aqui tenho uma vida. Gostaria de ficar mais.


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