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CRÍTICA
É preciso saber ousar, seu Roberto...
DO ENVIADO AO RIO
Criando discos há 40 anos,
em todo esse tempo Roberto
Carlos só lançara um disco ao vivo, em 88 (o "Roberto Carlos" de
98 também era 60% ao vivo, mas
só para tapar buracos abertos pelo turbilhão pessoal).
Desde aí seu "Acústico" foge do
habitual oportunismo do formato, mas junte a isso um repertório
em boa parte feito de relíquias às
quais Roberto nem dava mais pelota: já se tem um gol, do artista,
da gravadora, da rede jovem de
TV que os atiçou. Realinhadas,
"Além do Horizonte" (75), "As
Curvas da Estrada de Santos"
(69), "Todos Estão Surdos" (71),
"Eu te Amo, te Amo, te Amo"
(68), "Jesus Cristo" (70) etc. refazem parte troncuda da história
afetiva do Brasil pós-anos 60.
Falta maior ousadia na seleção
de canções que até aqui andavam
encostadas, mas a audácia que há
já é respeitável e vem perfurada de
lancinantes órgãos sessentistas e
outras sonoridades démodé.
Se são conservadores os temas e
os arranjos? São. Talvez até caretas sejam (embora não cafonas
como vinham sendo havia muitos
anos). Roberto é e sempre foi um
careta. Mas, jovem, era um careta
que fazia rock'n'roll brasileiro, falava de inferno e ostentava cabeleira de causar horror às mães que
hoje o amam.
Pois aquelas mães cresceram e
se transformaram com ele, e talvez hoje ele é que hesite em acompanhá-las, em levá-las ainda mais
adiante. E há os jovens, ah, os jovens. A esses, parecerá que há
muito Roberto deixou para trás o
compositor que era (não à toa,
burocratizou-se sua relação com
Erasmo Carlos, face rebelde sem
mágoa da moeda).
"Eu te Amo Tanto" (98) até é
uma canção forte, mas ela e "O
Grude (Um do Outro)" (2000)
soam descabidas no meio do disco. Obsessivas, interrompem seu
fluxo, constrangem-no.
Redundância e manias talvez
significassem que seu tempo já
passou, que Roberto hoje é só para avós saudosas. Mas a virtude de
"Acústico MTV" é demonstrar
que isso não é verdade. Por quê?
Porque seus dotes de intérprete
ali explodem, exacerbados.
Principalmente em "Além do
Horizonte" e na desgastada "Detalhes" (ele ao violão, outra velha
novidade), o que se ouve não é
menos que a maior voz viva do
Brasil, mesmo considerado o ímpeto reacionário das "Emoções"
sempre repetidas.
Sua voz, atualmente, não inspira a piedade que a insistência algo
mórbida em expor publicamente
alguns (mas só alguns) detalhes
de sua vida íntima às vezes parece
pedir. Traz, isso sim, uma límpida
e profunda melancolia no modo
de cantar, que antes inexistia.
Mas, não, não há onde ter pena
do artista, se ele traz na garganta o
dom de poder olhar de igual para
igual para João Gilberto, sem
complexos de inferioridade.
À revelia das quatro estrelas
abaixo, "Acústico MTV" não é
um décimo do que Roberto Carlos parece capaz de fazer. Se o autor minguou, o intérprete suplica
por endoidecer, surpreender, dar
a volta no mundo e quem sabe até
trazer de volta o autor (ou autores, não é mesmo, Erasmo?).
Por ora, o mal e o bem continuarão a existir, juntinhos, queira
ou não o supersticioso. Roberto?
Ele tem ao alcance da mão um
manancial imenso de canções,
suas e de todos os outros (mas
sem essa de dor-de-cotovelo sertaneja, não é, rei?). É preciso ousadia, ousadia, ousadia.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Acústico MTV
Artista: Roberto Carlos
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 25, em média
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