São Paulo, sexta-feira, 14 de dezembro de 2001

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CRÍTICA

É preciso saber ousar, seu Roberto...

DO ENVIADO AO RIO

Criando discos há 40 anos, em todo esse tempo Roberto Carlos só lançara um disco ao vivo, em 88 (o "Roberto Carlos" de 98 também era 60% ao vivo, mas só para tapar buracos abertos pelo turbilhão pessoal).
Desde aí seu "Acústico" foge do habitual oportunismo do formato, mas junte a isso um repertório em boa parte feito de relíquias às quais Roberto nem dava mais pelota: já se tem um gol, do artista, da gravadora, da rede jovem de TV que os atiçou. Realinhadas, "Além do Horizonte" (75), "As Curvas da Estrada de Santos" (69), "Todos Estão Surdos" (71), "Eu te Amo, te Amo, te Amo" (68), "Jesus Cristo" (70) etc. refazem parte troncuda da história afetiva do Brasil pós-anos 60.
Falta maior ousadia na seleção de canções que até aqui andavam encostadas, mas a audácia que há já é respeitável e vem perfurada de lancinantes órgãos sessentistas e outras sonoridades démodé.
Se são conservadores os temas e os arranjos? São. Talvez até caretas sejam (embora não cafonas como vinham sendo havia muitos anos). Roberto é e sempre foi um careta. Mas, jovem, era um careta que fazia rock'n'roll brasileiro, falava de inferno e ostentava cabeleira de causar horror às mães que hoje o amam.
Pois aquelas mães cresceram e se transformaram com ele, e talvez hoje ele é que hesite em acompanhá-las, em levá-las ainda mais adiante. E há os jovens, ah, os jovens. A esses, parecerá que há muito Roberto deixou para trás o compositor que era (não à toa, burocratizou-se sua relação com Erasmo Carlos, face rebelde sem mágoa da moeda).
"Eu te Amo Tanto" (98) até é uma canção forte, mas ela e "O Grude (Um do Outro)" (2000) soam descabidas no meio do disco. Obsessivas, interrompem seu fluxo, constrangem-no.
Redundância e manias talvez significassem que seu tempo já passou, que Roberto hoje é só para avós saudosas. Mas a virtude de "Acústico MTV" é demonstrar que isso não é verdade. Por quê? Porque seus dotes de intérprete ali explodem, exacerbados.
Principalmente em "Além do Horizonte" e na desgastada "Detalhes" (ele ao violão, outra velha novidade), o que se ouve não é menos que a maior voz viva do Brasil, mesmo considerado o ímpeto reacionário das "Emoções" sempre repetidas.
Sua voz, atualmente, não inspira a piedade que a insistência algo mórbida em expor publicamente alguns (mas só alguns) detalhes de sua vida íntima às vezes parece pedir. Traz, isso sim, uma límpida e profunda melancolia no modo de cantar, que antes inexistia.
Mas, não, não há onde ter pena do artista, se ele traz na garganta o dom de poder olhar de igual para igual para João Gilberto, sem complexos de inferioridade.
À revelia das quatro estrelas abaixo, "Acústico MTV" não é um décimo do que Roberto Carlos parece capaz de fazer. Se o autor minguou, o intérprete suplica por endoidecer, surpreender, dar a volta no mundo e quem sabe até trazer de volta o autor (ou autores, não é mesmo, Erasmo?).
Por ora, o mal e o bem continuarão a existir, juntinhos, queira ou não o supersticioso. Roberto? Ele tem ao alcance da mão um manancial imenso de canções, suas e de todos os outros (mas sem essa de dor-de-cotovelo sertaneja, não é, rei?). É preciso ousadia, ousadia, ousadia.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Acústico MTV
    
Artista: Roberto Carlos
Lançamento: Sony
Quanto: R$ 25, em média




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