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América Latina na mira
Marcelo Ximenez/Folha Imagem
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O berlinense Roger Buergel, 41, convidado para dirigir a Documenta 12, em Kassel, na Alemanha, no Instituto Goethe, durante visita a São Paulo |
Roger Buergel, curador da Documenta 12, comenta planos para a mais importante mostra de arte contemporânea que acontece em 2007, em Kassel
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Indicado como responsável pela
Documenta 12, em dezembro do
ano passado, o berlinense Roger
Buergel tem o cargo mais cobiçado no mundo das artes plásticas:
dirigir a mostra mais importante
de arte contemporânea, com um
longo tempo de preparação, de
quase quatro anos.
Na semana passada, Buergel
passou por São Paulo e Rio de Janeiro, para falar sobre a Documenta, numa série de eventos organizados pelo Centro Cultural
Banco do Brasil, pela Bienal de
São Paulo e pelo Fórum Permanente dos Museus. Na capital
paulista, o curador circulou sozinho de ônibus pela cidade, para
entender melhor a energia de
uma cidade latino-americana,
que deve ter espaço privilegiado
na Documenta: "Estou muito interessado pela América Latina e
pelos espaços pós-soviéticos",
disse à Folha. Em 2005, Buergel
voltará duas vezes a São Paulo.
Até hoje Buergel, 41, foi curador
de pequenas exposições, a mais
recente chamada "O Governo",
organizada a partir das idéias do
filósofo francês Michel Foucault, e
exibida na Universidade de Luneburg, na Alemanha, onde dá aulas, Barcelona (Espanha), e Miami
(EUA). Mas agora o curador tem
o desafio de transpor seu modelo
expositivo para a vitrine mais visada, em Kassel, na Alemanha,
em 2007.
Na última quarta, Buergel deu
uma entrevista exclusiva à Folha,
sobre seus planos para a Documenta, adiantando detalhes da
mostra, como a redução do número de participantes para cerca
de 70 - já houve mais de 200 artistas na exposição-, a utilização
de locais como um centro comercial da cidade, e também criticou
o modelo da Bienal de São Paulo,
que havia visitado três dias antes.
Leia a seguir a entrevista:
Folha - Como você está trabalhando para preparar a Documenta? Você trabalhará em equipe?
Roger Buergel - Eu não farei por
conta própria. Já estou trabalhando com minha parceira [Ruth
Noack] e com uma equipe de artistas. A mesma equipe que trabalhou na exibição sobre governo.
Porém a Documenta possui uma
outra escala. Então o que eu faço é
confiar nas minhas conexões. Conheço uma série de espaços alternativos ao redor do mundo e esses lugares sempre me interessaram. Nós colaboramos em "O Governo", e o que estou fazendo
agora é injetar energia no projeto
até no sentido de financiamento
para poder acessar essas conexões. Entretanto, eu não me imagino como alguém que viaja pelo
planeta selecionando artistas. A
idéia é mais a de criar conexões
entre certas propostas que partem
de questões locais, pois me interessam os conhecimentos de um
local específico.
Folha - Aqui no Brasil você está
interessado em trabalhar com algum grupo?
Buergel - Sim, sim. Não posso
dar os nomes, não por ser discreto, quero dizer, eu sou discreto,
mas também por não estar decidido. Tenho conhecidos aqui no
Brasil, e veremos o que pode ser
feito. Mas é muito cedo e eu também não quero excluir outras pessoas que podem, eventualmente,
ter idéias.
Folha - E quando voltar em março, os contatos irão avançar?
Buergel Sim. E depois, voltarei
mais uma vez em outubro ou novembro quando haverá um congresso. De qualquer forma, acredito que a Documenta 12 não terá
uma agenda geopolítica, mas eu
estou muito interessado pela
América Latina e pelos espaços
pós-soviéticos.
Folha - Então isto quer dizer que o
Brasil provavelmente terá uma forte presença na Documenta?
Buergel Provavelmente. Veremos, quero dizer, eu não posso fazer nenhuma promessa agora
pois eu ainda não sei se encontrarei aquilo que estou procurando
ou mesmo outras coisas que, até o
presente momento, eu mesmo
não sei o que é.
Folha - Você visita galerias? Como
é o processo?
Buergel Não. Eu conto com pessoas, quero dizer, com indivíduos. Não entro em contato com
o sistema. Você sabe que muitos
artistas não são representados por
galerias, pois o mercado os marginaliza. Ele não pode representar
certas práticas que são interessantes. Eu também não quero acabar
com um tipo de apresentação armazém. Entretanto, em algum
momento, pode ser interessante
envolver galerias. Mas eu não sei
ainda. Por ora, meu procedimento é procurar grupos, espaços e revistas que tenham funcionado
nos últimos dez anos e ver se é
possível conectá-los à minha
agenda e vice-versa.
Folha - Uma das intenções da
atual Bienal de SP é ver a arte como
um espaço livre, desconectado da
sociedade. Você acredita neste tipo
de visão?
Buergel Não, mas acho que ninguém acredita nisso. Eu não estou
muito familiarizado com a Bienal
e sua poética. Eu a visitei somente
uma vez, acompanhado pelo diretor. De qualquer forma, em determinados casos pode fazer sentido
atuar em como se fosse possível
que a arte não tivesse nada a ver
com a sociedade, com a intenção
de libertar a arte de categorias sociológicas ou políticas. Pode fazer
sentido, por exemplo, abordar
um trabalho dentro de um espaço
muito perigoso "como se" não
houvesse perigo, pois seu comportamento é diferente e as interações são diferentes. Mas você
não deve acreditar em suas próprias mentiras.
Folha - Você acredita que a Bienal
atinge este objetivo?
Buergel O problema com a Bienal é que ela é totalmente heterogênea, o que está relacionado com
o fato de ela ter um curador que é
responsável por ela, mas você tem
também os curadores das representações nacionais, o que eu
acredito ser um princípio horrível
pois você tem pessoas de diferentes formações que possuem diferentes idéias, algumas bastante
óbvias, como os dinamarqueses e
os alemães, que têm mais dinheiro que os outros, o que os conduz
a uma apresentação bastante pretensiosa que é, na minha visão,
horrível, pois é apenas dinheiro e
vazio. Isto é muito ruim, pois, se o
dinheiro fosse distribuído igualmente, seria melhor. Mas é uma
questão de método. Portanto,
neste momento, seria melhor
pensar na Bienal em termos de
forma, em termos institucionais.
Eu sei que houve vários conflitos
no passado. Entretanto esse tipo
de estrutura não funciona.
Folha - Exposições como a Bienal
se transformaram em grandes
eventos mais que exposições, mas
seu conceito para a Documenta não
se encaixa nessa proposta...
Buergel - Acredito que essa seja
a razão de eu ter sido nomeado.
Folha - A Documenta provoca
uma grande expectativa no mundo
das artes. Ela é um evento. Como
pretende abordar esta contradição?
Buergel - É um desafio. Eu tenho, também, elementos que são
divertidos em minha personalidade. Eu não tenho uma resposta
para essa pergunta. Eu sei que é
muito mais interessante trabalhar
com algo que causa uma certa expectativa, pois você pode começar
a subverter essas expectativas e
você já tem um processo enquanto você for capaz de colocar conteúdo, substância artística e intelectual nessa discussão, pois acredito que grande parte da expectativa que as pessoas têm sobre arte
contemporânea estão erradas...
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