São Paulo, terça-feira, 14 de dezembro de 2004

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América Latina na mira

Marcelo Ximenez/Folha Imagem
O berlinense Roger Buergel, 41, convidado para dirigir a Documenta 12, em Kassel, na Alemanha, no Instituto Goethe, durante visita a São Paulo


Roger Buergel, curador da Documenta 12, comenta planos para a mais importante mostra de arte contemporânea que acontece em 2007, em Kassel

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Indicado como responsável pela Documenta 12, em dezembro do ano passado, o berlinense Roger Buergel tem o cargo mais cobiçado no mundo das artes plásticas: dirigir a mostra mais importante de arte contemporânea, com um longo tempo de preparação, de quase quatro anos.
Na semana passada, Buergel passou por São Paulo e Rio de Janeiro, para falar sobre a Documenta, numa série de eventos organizados pelo Centro Cultural Banco do Brasil, pela Bienal de São Paulo e pelo Fórum Permanente dos Museus. Na capital paulista, o curador circulou sozinho de ônibus pela cidade, para entender melhor a energia de uma cidade latino-americana, que deve ter espaço privilegiado na Documenta: "Estou muito interessado pela América Latina e pelos espaços pós-soviéticos", disse à Folha. Em 2005, Buergel voltará duas vezes a São Paulo.
Até hoje Buergel, 41, foi curador de pequenas exposições, a mais recente chamada "O Governo", organizada a partir das idéias do filósofo francês Michel Foucault, e exibida na Universidade de Luneburg, na Alemanha, onde dá aulas, Barcelona (Espanha), e Miami (EUA). Mas agora o curador tem o desafio de transpor seu modelo expositivo para a vitrine mais visada, em Kassel, na Alemanha, em 2007.
Na última quarta, Buergel deu uma entrevista exclusiva à Folha, sobre seus planos para a Documenta, adiantando detalhes da mostra, como a redução do número de participantes para cerca de 70 - já houve mais de 200 artistas na exposição-, a utilização de locais como um centro comercial da cidade, e também criticou o modelo da Bienal de São Paulo, que havia visitado três dias antes. Leia a seguir a entrevista:
 

Folha - Como você está trabalhando para preparar a Documenta? Você trabalhará em equipe?
Roger Buergel -
Eu não farei por conta própria. Já estou trabalhando com minha parceira [Ruth Noack] e com uma equipe de artistas. A mesma equipe que trabalhou na exibição sobre governo. Porém a Documenta possui uma outra escala. Então o que eu faço é confiar nas minhas conexões. Conheço uma série de espaços alternativos ao redor do mundo e esses lugares sempre me interessaram. Nós colaboramos em "O Governo", e o que estou fazendo agora é injetar energia no projeto até no sentido de financiamento para poder acessar essas conexões. Entretanto, eu não me imagino como alguém que viaja pelo planeta selecionando artistas. A idéia é mais a de criar conexões entre certas propostas que partem de questões locais, pois me interessam os conhecimentos de um local específico.

Folha - Aqui no Brasil você está interessado em trabalhar com algum grupo?
Buergel
- Sim, sim. Não posso dar os nomes, não por ser discreto, quero dizer, eu sou discreto, mas também por não estar decidido. Tenho conhecidos aqui no Brasil, e veremos o que pode ser feito. Mas é muito cedo e eu também não quero excluir outras pessoas que podem, eventualmente, ter idéias.

Folha - E quando voltar em março, os contatos irão avançar?
Buergel
Sim. E depois, voltarei mais uma vez em outubro ou novembro quando haverá um congresso. De qualquer forma, acredito que a Documenta 12 não terá uma agenda geopolítica, mas eu estou muito interessado pela América Latina e pelos espaços pós-soviéticos.

Folha - Então isto quer dizer que o Brasil provavelmente terá uma forte presença na Documenta?
Buergel
Provavelmente. Veremos, quero dizer, eu não posso fazer nenhuma promessa agora pois eu ainda não sei se encontrarei aquilo que estou procurando ou mesmo outras coisas que, até o presente momento, eu mesmo não sei o que é.

Folha - Você visita galerias? Como é o processo?
Buergel
Não. Eu conto com pessoas, quero dizer, com indivíduos. Não entro em contato com o sistema. Você sabe que muitos artistas não são representados por galerias, pois o mercado os marginaliza. Ele não pode representar certas práticas que são interessantes. Eu também não quero acabar com um tipo de apresentação armazém. Entretanto, em algum momento, pode ser interessante envolver galerias. Mas eu não sei ainda. Por ora, meu procedimento é procurar grupos, espaços e revistas que tenham funcionado nos últimos dez anos e ver se é possível conectá-los à minha agenda e vice-versa.

Folha - Uma das intenções da atual Bienal de SP é ver a arte como um espaço livre, desconectado da sociedade. Você acredita neste tipo de visão?
Buergel
Não, mas acho que ninguém acredita nisso. Eu não estou muito familiarizado com a Bienal e sua poética. Eu a visitei somente uma vez, acompanhado pelo diretor. De qualquer forma, em determinados casos pode fazer sentido atuar em como se fosse possível que a arte não tivesse nada a ver com a sociedade, com a intenção de libertar a arte de categorias sociológicas ou políticas. Pode fazer sentido, por exemplo, abordar um trabalho dentro de um espaço muito perigoso "como se" não houvesse perigo, pois seu comportamento é diferente e as interações são diferentes. Mas você não deve acreditar em suas próprias mentiras.

Folha - Você acredita que a Bienal atinge este objetivo?
Buergel
O problema com a Bienal é que ela é totalmente heterogênea, o que está relacionado com o fato de ela ter um curador que é responsável por ela, mas você tem também os curadores das representações nacionais, o que eu acredito ser um princípio horrível pois você tem pessoas de diferentes formações que possuem diferentes idéias, algumas bastante óbvias, como os dinamarqueses e os alemães, que têm mais dinheiro que os outros, o que os conduz a uma apresentação bastante pretensiosa que é, na minha visão, horrível, pois é apenas dinheiro e vazio. Isto é muito ruim, pois, se o dinheiro fosse distribuído igualmente, seria melhor. Mas é uma questão de método. Portanto, neste momento, seria melhor pensar na Bienal em termos de forma, em termos institucionais. Eu sei que houve vários conflitos no passado. Entretanto esse tipo de estrutura não funciona.

Folha - Exposições como a Bienal se transformaram em grandes eventos mais que exposições, mas seu conceito para a Documenta não se encaixa nessa proposta...
Buergel
- Acredito que essa seja a razão de eu ter sido nomeado.

Folha - A Documenta provoca uma grande expectativa no mundo das artes. Ela é um evento. Como pretende abordar esta contradição?
Buergel
- É um desafio. Eu tenho, também, elementos que são divertidos em minha personalidade. Eu não tenho uma resposta para essa pergunta. Eu sei que é muito mais interessante trabalhar com algo que causa uma certa expectativa, pois você pode começar a subverter essas expectativas e você já tem um processo enquanto você for capaz de colocar conteúdo, substância artística e intelectual nessa discussão, pois acredito que grande parte da expectativa que as pessoas têm sobre arte contemporânea estão erradas...


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