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ARTE E TECNOLOGIA
Pesquisador em novos meios faz palestra hoje em SP para lançar o conjunto de ensaios "Luz & Letra"
Kac lança luz sobre a guinada dos anos 80
JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um pouco enfastiado com a
lengalenga sobre a "geração 80" e
o famoso "boom da pintura" naquela década, o mercado editorial
brasileiro começa a dar sinais de
guinada. Com o lançamento, hoje, do livro "Luz & Letra", pela
editora Contracapa, de Eduardo
Kac, insinua-se uma outra história da arte recente no Brasil.
Uma história em que 1984 não é
mais o ano que marcou nossas vidas por conta da exposição "Como Vai Você, Geração 80?", e sim
como o ano em que todas as artes
convergiram para os recém-surgidos computadores pessoais, e as
redes de comunicação globais digitais aparecem no horizonte possibilitando uma transformação da
linguagem artística:
"O Macintosh é lançado em
1984 e naquele ano também ocorre o boom do minitel francês. Tudo tem antecedentes, mas o "turning point" se dá em 1984. A convergência mais dramática acontece quando este ateliê portátil em
que convergem todas as artes -o
som, o 3D, o movimento, a palavra, a imagem- se une à rede digital: ele passa a ser uma janela a
um universo de contato; ele torna
realmente possível uma estética
dialógica", explica Kac em entrevista à Folha, domingo à tarde na
Bienal de São Paulo, em que falou
de seu livro e de outros projetos.
"Luz & Letra - Ensaios de Arte,
Literatura e Comunicação" reúne
mais de 60 textos escritos entre
1982 e 1988 e publicados em jornais de grande circulação no Brasil. Mais do que crítica, é uma produção teórica de intervenção, que
prefigura o artista-teórico de hoje.
Kac é professor e diretor do departamento de arte e tecnologia
do Instituto de Arte de Chicago.
Folha - É interessante no livro a
forma como você apresenta uma
outra "geração 80", esta que atuava no campo tecnológico.
Eduardo Kac - Existe toda uma
mitologia a respeito dos anos 80,
que ao meu ver é falsa, parcial. Esta produção de que eu trato no livro não era uma apropriação da
transvanguarda italiana nem
tampouco do neo-expressionismo alemão. Era uma coisa realmente autóctone e que realmente
foi gerada aqui: a poesia holográfica e o videoteatro não aconteceram em outro lugar. No campo da
escultura havia as esculturas infravermelhas do [Mário] Ramiro,
o Wilson [Sukorski] fazia uma
obra plástica-musical, com a
transformação de coisas em rádio-telescópio. Quer dizer, houve
de fato um movimento e esta história não está contada.
Folha - Outra coisa que chama a
atenção nos textos é você ali no
meio do furacão já falar que o pós-modernismo tinha sido superado,
que já existia uma outra cultura,
que chama de era informacional.
Kac - É que, na verdade, o termo
"pós-moderno" foi introduzido
por Mário Pedrosa para falar da
obra do Hélio Oiticica nos anos
60, que já não era mais a rigidez de
um Mondrian, já era o Mondrian
para dançar um samba na favela...
Para mim a arte não tem um condicionamento material: "Pintura
é arte, X não é arte". Eu acho isso
absurdo. A arte é um grau de realização dentro de uma prática
plástica, então, vamos dizer, a
obra de uma Tarsila do Amaral é
arte não porque é pintura, mas
porque chegou a um nível de realização que realmente era estupendo. Da mesma maneira um
"Cidadão Kane", de Orson Welles, é arte porque é de uma intensidade sensorial, intelectual, plástica sem paralelo. Da mesma maneira o trabalho de um Luiz Gê no
quadrinho é arte porque é uma
realização de alta significação.
Folha - Você acha que as perspectivas que o meio artístico tinha para a holografia, tratada com empolgação no livro, acabaram por se
realizar na realidade virtual?
Kac - Eu acho que não, porque a
holografia é uma linguagem muito específica. Há mais fantasia sobre a holografia do que realmente
realizações, mas a leitura que a
gente vai fazer destes textos daqui
a 20, 50 anos ainda vai ser bastante diferente, porque muitas das
coisas de que eu falava ali não se
concretizaram no universo da
cultura popular, mas várias delas
estão em vias de entrar no mercado agora, por exemplo, a memória holográfica: há cada vez mais
uma demanda por sistemas de armazenamento de informação que
possam acumular num espaço
menor uma quantidade maior de
dados. A memória holográfica
ocorre no espaço tridimensional,
então armazena mais informação
do que a memória linear do computador. O caráter de empolgação
nos textos existe porque a gente
estava descobrindo e também inventando um universo novo.
Folha - Você ainda pensa em trabalhar com holografia hoje?
Kac - Não, eu não uso a holografia na minha prática artística hoje
porque o que eu queria fazer em
1983 não era trazer poesia para a
holografia nem trazer holografia
para a poesia, era criar uma nova
linguagem poética. A holografia
só entra como a solução técnica a
serviço de uma visão poética. Eu
achava que o ciclo da concreção
do signo, no lado da poesia, e da
desmaterialização, no lado da arte, havia chegado a um fim. A
poesia holográfica quis ser a poesia dessa era nova... imaterial, digital, distribuída, global etc.
LUZ & LETRA. Autor: Eduardo Kac.
Editora: Contracapa. Quanto: R$ 56 (432
págs.). Palestra: hoje, às 20h, no Sesc
Pompéia (r. Clélia, 93, SP, tel. 0/xx/11/
3871-7700). Quanto: entrada franca.
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