São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2005

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LIVROS

JORNALISMO

Nova edição da coletânea reúne 48 textos publicados entre 1823 e 2000

"A Arte da Entrevista" compõe mosaico sem coordenação

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro "A Arte da Entrevista", que acaba de sair em segunda edição, nove anos após a original, é um documento importante para quem se interessa por história e jornalismo.
Ele reúne 48 entrevistas, publicadas entre 1823 e 2000. Delas, 32 vieram de um sucedâneo precursor em língua inglesa, o "Penguin Book of Interviews". Das outras 16, 14 são de personalidades brasileiras ou concedidas a jornalistas brasileiros.
Embora o organizador do volume, Fábio Altman, descreva na apresentação quatro critérios que nortearam a seleção dos textos, fica a impressão de que eles compõem mosaico um pouco disforme, independentemente do enorme valor intrínseco que cada entrevista -e sua reunião- sem dúvida tem.
Os critérios, em si, são descoordenados entre si: produção de efeito imediato (do ponto de vista político), produção de retrato de um tempo, coragem do entrevistado de se expor e referência ao jornalismo. Além da dificuldade de definir exatamente cada um desses quesitos, falta a indispensável coerência interna entre eles capaz de fazer resultar um trabalho mais útil.
A isso, some-se a diversidade geográfica, cronológica, cultural e profissional dos entrevistados, e se tem um compêndio muito pouco ordenado, apesar de composto por peças interessantes individualmente.
Não é este um dos objetivos do trabalho, mas uma coleção de entrevistas poderia justificar a edição de um ensaio alentado sobre a técnica e/ou o gênero em si. A apresentação de Altman, apesar de levantar pontos relevantes, não cumpre tal papel nem parece ter tido a ambição de fazê-lo.
A entrevista é um dos instrumentos essenciais da coleta de informação, a matéria-prima básica do jornalismo. Apesar disso, pouco se tem escrito sobre ela. A maioria dos textos jornalísticos se baseia, ao menos em parte, em entrevistas, ou seja, perguntas e respostas sobre fatos ou idéias de interesse público.
Ela também é um gênero jornalístico (ou seja, um tipo de texto, como são a reportagem, a crônica, o artigo, o editorial etc.), e é dele que se trata nesse livro. A discussão da entrevista como gênero também tem merecido pouca reflexão crítica na literatura especializada.
Como acertadamente afirma Altman em sua apresentação, "não há boa entrevista sem bom entrevistador". Por isso, muitas vezes as melhores entrevistas são diálogos entre personalidades de estatura intelectual equivalente. Faltam, inclusive, mais exemplos desse tipo de entrevistas no livro.
Fazer o entrevistado falar significativamente e reproduzir sua fala de modo compreensível e interessante para o público, confrontar idéias e opiniões com ele, contestar lugares-comuns e frases feitas, dispor de informações para não reproduzir imprecisões são algumas das tarefas básicas de um bom entrevistador.
A entrevista -que também é importante em outras atividades humanas, além do jornalismo, como a psicanálise, a antropologia, a medicina, a literatura e tantas mais- seguramente merece mais estudos e reflexões por parte do jornalismo, seus praticantes e seus pesquisadores. Ler os textos dessa coletânea já um bom começo para instigar o pensamento.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

A Arte da Entrevista
  
Organização: Fábio Altman
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 57 (480 págs.)


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