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LIVROS
JORNALISMO
Nova edição da coletânea reúne 48 textos publicados entre 1823 e 2000
"A Arte da Entrevista" compõe mosaico sem coordenação
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O livro "A Arte da Entrevista",
que acaba de sair em segunda edição, nove anos após a original, é
um documento importante para
quem se interessa por história e
jornalismo.
Ele reúne 48 entrevistas, publicadas entre 1823 e 2000. Delas, 32
vieram de um sucedâneo precursor em língua inglesa, o "Penguin
Book of Interviews". Das outras
16, 14 são de personalidades brasileiras ou concedidas a jornalistas
brasileiros.
Embora o organizador do volume, Fábio Altman, descreva na
apresentação quatro critérios que
nortearam a seleção dos textos, fica a impressão de que eles compõem mosaico um pouco disforme, independentemente do enorme valor intrínseco que cada entrevista -e sua reunião- sem
dúvida tem.
Os critérios, em si, são descoordenados entre si: produção de
efeito imediato (do ponto de vista
político), produção de retrato de
um tempo, coragem do entrevistado de se expor e referência ao
jornalismo. Além da dificuldade
de definir exatamente cada um
desses quesitos, falta a indispensável coerência interna entre eles
capaz de fazer resultar um trabalho mais útil.
A isso, some-se a diversidade
geográfica, cronológica, cultural e
profissional dos entrevistados, e
se tem um compêndio muito
pouco ordenado, apesar de composto por peças interessantes individualmente.
Não é este um dos objetivos do
trabalho, mas uma coleção de entrevistas poderia justificar a edição de um ensaio alentado sobre a
técnica e/ou o gênero em si. A
apresentação de Altman, apesar
de levantar pontos relevantes, não
cumpre tal papel nem parece ter
tido a ambição de fazê-lo.
A entrevista é um dos instrumentos essenciais da coleta de informação, a matéria-prima básica
do jornalismo. Apesar disso, pouco se tem escrito sobre ela. A
maioria dos textos jornalísticos se
baseia, ao menos em parte, em
entrevistas, ou seja, perguntas e
respostas sobre fatos ou idéias de
interesse público.
Ela também é um gênero jornalístico (ou seja, um tipo de texto,
como são a reportagem, a crônica,
o artigo, o editorial etc.), e é dele
que se trata nesse livro. A discussão da entrevista como gênero
também tem merecido pouca reflexão crítica na literatura especializada.
Como acertadamente afirma
Altman em sua apresentação,
"não há boa entrevista sem bom
entrevistador". Por isso, muitas
vezes as melhores entrevistas são
diálogos entre personalidades de
estatura intelectual equivalente.
Faltam, inclusive, mais exemplos
desse tipo de entrevistas no livro.
Fazer o entrevistado falar significativamente e reproduzir sua fala de modo compreensível e interessante para o público, confrontar idéias e opiniões com ele, contestar lugares-comuns e frases feitas, dispor de informações para
não reproduzir imprecisões são
algumas das tarefas básicas de um
bom entrevistador.
A entrevista -que também é
importante em outras atividades
humanas, além do jornalismo,
como a psicanálise, a antropologia, a medicina, a literatura e tantas mais- seguramente merece
mais estudos e reflexões por parte
do jornalismo, seus praticantes e
seus pesquisadores. Ler os textos
dessa coletânea já um bom começo para instigar o pensamento.
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
A Arte da Entrevista
Organização: Fábio Altman
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 57 (480 págs.)
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