São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 2011

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CRÍTICA CONTOS

Histórias de Adiga enfocam com ironia os conflitos da Índia

Tramas de "Entre Assassinatos" ocorrem em Kittur, cidade imaginária que ecoa algumas mazelas do Brasil


CIDADES IMAGINÁRIAS, QUANDO INVENTADAS COM MESTRIA, DESCORTINAM UMA REALIDADE CUJA FUNÇÃO É DENUNCIAR A NOSSA


NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é São Paulo, não é o Brasil. Mas parece bastante.
Kittur, cidade inventada pelo ficcionista indiano Aravind Adiga, é o cenário de conflitos e dilemas muito nossos, muito tupiniquins.
A coletânea "Entre Assassinatos" reúne 14 contos, todos ambientados em Kittur. Esse é o segundo livro de Adiga. Seu livro de estreia, o romance "O Tigre Branco", também publicado aqui, recebeu em 2008 o consagrador Man Booker Prize.
Cidades imaginárias, quando inventadas com mestria, descortinam outro território: uma realidade alternativa cuja principal função é denunciar a nossa. Nesse vasto mapa paralelo estão, por exemplo, a Macondo de Gabriel García Márquez, a Santa Maria de Juan Carlos Onetti e a Comala de Juan Rulfo, todas mágicas.
E agora a Kittur de Aravind Adiga, mais realista, situada na costa sudoeste da Índia, entre Goa e Calcutá.
Bem localizadas no espaço, as histórias de "Entre Assassinatos" também estão bem localizadas no tempo.
Elas ocorrem na década de 80, entre os assassinatos de dois líderes indianos: Indira Gandhi, morta em 1984, e seu filho, Rajiv, em 1991.
Quebrando um pouco a rotina editorial, os contos não têm título e vêm separados por um texto breve.
Os políticos e os funcionários públicos de Kittur são oportunistas e corruptos. Os comerciantes não são diferentes. Ninguém é leal a nada, a ninguém.
Em Kittur, dependendo da hora e da luminosidade, é difícil distinguir um traficante de um policial. A corrupção epidêmica já perverteu todos os círculos da sociedade.
Os poucos que não se deixaram corromper são obtusos, supersticiosos. Estão presos a ridículos valores morais de séculos atrás.
Num dos contos mais exemplares, um estudante explode uma bomba de fertilizante na sala de aula para humilhar o professor.
O ponto de partida trivial vai revelando devagar camadas mais nefastas. Em poucas páginas já estamos na ferida aberta da luta de classes, crenças e castas.
Castas altas (brâmanes e bunts) versus castas desfavorecidas (dalits). Muçulmanos versus católicos versus hinduístas. Os contos de Adiga falam, com perturbadora ironia, desses combates.
O armamento pesado é a lábia, a propina e a traição. "Tão nossas, tão Brasil", diria Manuel Bandeira.

NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral)

ENTRE ASSASSINATOS

AUTOR Aravind Adiga
EDITORA Nova Fronteira
TRADUÇÃO Diego Alfaro
QUANTO R$ 39,90 (344 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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