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"ZOANDO NA TV"
Globo filmes tateia em busca de um caminho
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Goste-se ou não, é a partir da
Globo Filmes que é possível falar
novamente em cinema popular e
industrial no Brasil. E "Zoando na
TV" é a primeira realização da produtora a chegar efetivamente às salas de exibição (considerando que
o filme de Renato Aragão -"Simão, o Fantasma Trapalhão"-,
lançado há pouco, dispõe de
"know-how" próprio).
A Globo tem todas as condições
do mundo de fazer de seu canal de
TV o veículo publicitário perfeito
para difundir esse produto e trazer
de volta às salas de exibição pelo
menos uma parte desse público
que fez a glória das chanchadas e
pornochanchadas no passado.
Ao mesmo tempo, espera-se que
existam (ou se criem) mecanismos
legais para que a nova produtora
não venha a exercer uma espécie
de concorrência desleal, disputando vantagens com os produtores
independentes -afinal, a regra
mais ou menos mundial é que os
canais de TV financiem o cinema, e
não o contrário.
Solução caseira
Quanto ao filme, a Globo parece
mandar um recado muito claro: se
encontrou uma fórmula de sucesso incontestável na TV, chega ao
cinema tateando cuidadosamente
o terreno.
Como qualquer outro produtor,
sabe que inexistem, hoje, formulações claras para encontrar e dialogar com o público. Daí ter optado
por uma solução caseira: lança Angélica, a principal apresentadora
infantil do momento, como atriz
principal. Cerca-a de cuidados de
produção. Entrega a direção do filme a um artesão que já comprovou, trabalhando com Os Trapalhões, sua competência.
No mais, cria uma história em
que a principal referência é a própria TV (como o rádio foi a referência das chanchadas). Em linhas
gerais, uma adaptação de "Alice no
País das Maravilhas", em que Angel (Angélica) e seu namorado,
Ulisses (Márcio Garcia), são puxados para o universo paralelo da televisão. Um mundo que se anuncia
de sonhos, mas que logo se revela
um pesadelo. Sair de lá será seu
problema.
Entrementes, entra em cena boa
parte do elenco da Globo: Danielle
Winits, Paloma Duarte, Miguel Falabella, Maria Padilha, Nicete Bruno, Odilon Wagner etc.
As sensatas precauções não vão
sem problemas. Em primeiro lugar, fica meio vago a quem se endereça o filme. Ao público infantil ou
juvenil? Para o juvenil, tudo pode
parecer infantil demais. Para o infantil, falta um apelo cômico mais
claro.
O roteiro de Carlos Lombardi e
Mauro Wilson também é escrito
um pouco no tapa. Tudo se baseia
em um único recurso (o controle
remoto, que joga os personagens
de um cenário para outro), usado à
exaustão.
Tudo bem, os roteiros das chanchadas também não eram nenhum
primor. Mas eram outros tempos.
Hoje, pode-se ver "comedinhas"
no próprio programa matinal da
Angélica, que não diferem tanto
assim daquilo que "Zoando na
TV" propõe ao espectador.
O diferencial fica por conta das
sequências musicais (a de abertura, em particular), que parecem indicar um caminho promissor, e da
participação de Bussunda (infelizmente sumária).
TV falando de TV
Talvez o principal problema seja
a criação de um roteiro que dispensa filmagens em exterior, que
poderiam ser o grande lance do filme. Essa característica o condena à
auto-referência perpétua (a TV falando da TV) e praticamente exclui
a possibilidade de falar do mundo
e de um modo de vida -em suma,
de se conectar ao mundo real.
Pela visão desse filme, a Globo
Filmes ainda é uma promessa a
cumprir. Mais precisamente: a
promessa de a TV começar a pagar
a imensa dívida que tem em relação ao cinema.
Por ora, o problema da produtora dirigida por Daniel Filho se assemelha bastante ao dos personagens do filme: trata-se de tatear em
busca de um caminho que lhe permita sair do mundo mágico (mas
massificado) da TV e lhe permita
achar o caminho de um cinema
que concilie a popularidade à capacidade de ser significativo. O risco, na hipótese contrária, é de repetir no cinema o vazio pesadelo.
Aí, qual será a vantagem?
Em tempo: perto da Xuxa, Angélica parece uma Greta Garbo. Mas
quem não pareceria?
Filme: Zoando na TV
Produção: Brasil, 1998
Direção: José Alvarenga Júnior
Com: Angélica, Márcio Garcia
Quando: estréia hoje, nos cines Gemini 2,
Eldorado 3, Paissandu e circuito
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