São Paulo, Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1999
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"ZOANDO NA TV"
Globo filmes tateia em busca de um caminho

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Goste-se ou não, é a partir da Globo Filmes que é possível falar novamente em cinema popular e industrial no Brasil. E "Zoando na TV" é a primeira realização da produtora a chegar efetivamente às salas de exibição (considerando que o filme de Renato Aragão -"Simão, o Fantasma Trapalhão"-, lançado há pouco, dispõe de "know-how" próprio). A Globo tem todas as condições do mundo de fazer de seu canal de TV o veículo publicitário perfeito para difundir esse produto e trazer de volta às salas de exibição pelo menos uma parte desse público que fez a glória das chanchadas e pornochanchadas no passado. Ao mesmo tempo, espera-se que existam (ou se criem) mecanismos legais para que a nova produtora não venha a exercer uma espécie de concorrência desleal, disputando vantagens com os produtores independentes -afinal, a regra mais ou menos mundial é que os canais de TV financiem o cinema, e não o contrário.
Solução caseira
Quanto ao filme, a Globo parece mandar um recado muito claro: se encontrou uma fórmula de sucesso incontestável na TV, chega ao cinema tateando cuidadosamente o terreno. Como qualquer outro produtor, sabe que inexistem, hoje, formulações claras para encontrar e dialogar com o público. Daí ter optado por uma solução caseira: lança Angélica, a principal apresentadora infantil do momento, como atriz principal. Cerca-a de cuidados de produção. Entrega a direção do filme a um artesão que já comprovou, trabalhando com Os Trapalhões, sua competência. No mais, cria uma história em que a principal referência é a própria TV (como o rádio foi a referência das chanchadas). Em linhas gerais, uma adaptação de "Alice no País das Maravilhas", em que Angel (Angélica) e seu namorado, Ulisses (Márcio Garcia), são puxados para o universo paralelo da televisão. Um mundo que se anuncia de sonhos, mas que logo se revela um pesadelo. Sair de lá será seu problema. Entrementes, entra em cena boa parte do elenco da Globo: Danielle Winits, Paloma Duarte, Miguel Falabella, Maria Padilha, Nicete Bruno, Odilon Wagner etc. As sensatas precauções não vão sem problemas. Em primeiro lugar, fica meio vago a quem se endereça o filme. Ao público infantil ou juvenil? Para o juvenil, tudo pode parecer infantil demais. Para o infantil, falta um apelo cômico mais claro. O roteiro de Carlos Lombardi e Mauro Wilson também é escrito um pouco no tapa. Tudo se baseia em um único recurso (o controle remoto, que joga os personagens de um cenário para outro), usado à exaustão. Tudo bem, os roteiros das chanchadas também não eram nenhum primor. Mas eram outros tempos. Hoje, pode-se ver "comedinhas" no próprio programa matinal da Angélica, que não diferem tanto assim daquilo que "Zoando na TV" propõe ao espectador. O diferencial fica por conta das sequências musicais (a de abertura, em particular), que parecem indicar um caminho promissor, e da participação de Bussunda (infelizmente sumária).
TV falando de TV
Talvez o principal problema seja a criação de um roteiro que dispensa filmagens em exterior, que poderiam ser o grande lance do filme. Essa característica o condena à auto-referência perpétua (a TV falando da TV) e praticamente exclui a possibilidade de falar do mundo e de um modo de vida -em suma, de se conectar ao mundo real. Pela visão desse filme, a Globo Filmes ainda é uma promessa a cumprir. Mais precisamente: a promessa de a TV começar a pagar a imensa dívida que tem em relação ao cinema. Por ora, o problema da produtora dirigida por Daniel Filho se assemelha bastante ao dos personagens do filme: trata-se de tatear em busca de um caminho que lhe permita sair do mundo mágico (mas massificado) da TV e lhe permita achar o caminho de um cinema que concilie a popularidade à capacidade de ser significativo. O risco, na hipótese contrária, é de repetir no cinema o vazio pesadelo. Aí, qual será a vantagem? Em tempo: perto da Xuxa, Angélica parece uma Greta Garbo. Mas quem não pareceria?


Filme: Zoando na TV Produção: Brasil, 1998 Direção: José Alvarenga Júnior Com: Angélica, Márcio Garcia Quando: estréia hoje, nos cines Gemini 2, Eldorado 3, Paissandu e circuito



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