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São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 2003

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53º FESTIVAL DE CINEMA DE BERLIM

"The Gift" apresenta como tema o "barebacking", sexo sem proteção entre gays

Documentário polemiza sobre a Aids

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

A prática do "barebacking", isto é, sexo sem proteção entre gays, é o tema de "The Gift" (O Presente), documentário exibido anteontem na seção Panorama do Festival de Berlim. A produção trouxe polêmica ao evento, no debate que seguiu a estréia do filme com a presença da diretora, Louise Hogarth.
"The Gift" conta a história de dois jovens na Costa Oeste dos EUA, Ken e Doug Hitzel, dois "bug chasers", ou seja, rapazes que querem ser infectados com o vírus da Aids de forma espontânea nas festas de "barebacking".
A prática, segundo o documentário, tem feito aumentar o número de casos de Aids entre jovens norte-americanos, em algumas cidades em até 40%. Aqueles que transmitem o vírus são chamados de "gift gavers".
"Esse é um assunto sobre o qual não se fala, há um silêncio na comunidade gay e por isso decidi enfocá-lo. Levei quase três anos para realizar o documentário e quase desisti por sua complexidade. Reuni mais de 80 horas de gravação. Consegui finalizá-lo apenas três dias antes de embarcar para Berlim. Ele trata de um novo capítulo na história da Aids", disse Hogarth.
O documentário traz depoimentos surpreendentes e, ao mesmo tempo, tristes, como, por exemplo, quando registra o orgulho de Kenny quando conseguiu contrair a Aids. "Antes eu sempre vivia com medo, sem saber se tinha ou não o vírus, e também excluído das melhores festas. Agora estou aliviado e feliz. Eu ganhei o presente", afirmou Kenny, que vive em North Hills, na Califórnia, e organiza um site que lista festas em todo o mundo. Ontem, o site divulgava uma "bareback party", no Rio de Janeiro, em março, durante o carnaval.
Já Hitzel, que está em Berlim e participou do debate após a exibição de "The Gift", é o contraponto a Kenny, pois afirma ter se arrependido de contrair a doença. "Eu vivia em São Francisco, e os HIV positivos lá são muito organizados, enquanto quem não tem a doença fica isolado. Achei que era uma forma de pertencer a um grupo, mas hoje não faria mais, foi um erro terrível", disse Hitzel, 21. O sentimento de culpa, de jovens que não contraíram a Aids e, ironicamente, são colados num gueto, é recorrente em outras entrevistas no documentário.
"Acho que tratar desse tema é trazer novamente preconceito para a comunidade gay. O documentário é apelativo, pois ignora a história do que já foi feito contra a Aids pelos gays. Parece ainda que há uma generalização, que agora todos estão querendo contrair a doença, quando isso ocorre com uma minoria", disse um dos presentes na platéia, de forma veemente.
Foi preciso que Wieland Speck, diretor do Panorama, intercedesse a favor da diretora. "A responsabilidade da exibição do documentário é minha e meu objetivo foi iniciar um debate. A Aids entra agora em uma nova fase, mais complexa, e esse é o momento de se falar sobre isso", afirmou Speck, que também é diretor de filmes sobre homossexualismo.
A questão é de fato complexa e um de seus possíveis fatores foi levantado pela diretora: "Acredito que a indústria farmacêutica tem responsabilidade por essa situação, pois ela vende a idéia de que é possível viver normalmente com os medicamentos, como se a doença tivesse sido erradicada".

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