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53º FESTIVAL DE CINEMA DE BERLIM
"The Gift" apresenta como tema o "barebacking", sexo sem proteção entre gays
Documentário polemiza sobre a Aids
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
A prática do "barebacking", isto
é, sexo sem proteção entre gays, é
o tema de "The Gift" (O Presente),
documentário exibido anteontem
na seção Panorama do Festival de
Berlim. A produção trouxe polêmica ao evento, no debate que seguiu a estréia do filme com a presença da diretora, Louise Hogarth.
"The Gift" conta a história de
dois jovens na Costa Oeste dos
EUA, Ken e Doug Hitzel, dois
"bug chasers", ou seja, rapazes
que querem ser infectados com o
vírus da Aids de forma espontânea nas festas de "barebacking".
A prática, segundo o documentário, tem feito aumentar o número de casos de Aids entre jovens
norte-americanos, em algumas
cidades em até 40%. Aqueles que
transmitem o vírus são chamados
de "gift gavers".
"Esse é um assunto sobre o qual
não se fala, há um silêncio na comunidade gay e por isso decidi
enfocá-lo. Levei quase três anos
para realizar o documentário e
quase desisti por sua complexidade. Reuni mais de 80 horas de gravação. Consegui finalizá-lo apenas três dias antes de embarcar
para Berlim. Ele trata de um novo
capítulo na história da Aids", disse Hogarth.
O documentário traz depoimentos surpreendentes e, ao mesmo tempo, tristes, como, por
exemplo, quando registra o orgulho de Kenny quando conseguiu
contrair a Aids. "Antes eu sempre
vivia com medo, sem saber se tinha ou não o vírus, e também excluído das melhores festas. Agora
estou aliviado e feliz. Eu ganhei o
presente", afirmou Kenny, que vive em North Hills, na Califórnia, e
organiza um site que lista festas
em todo o mundo. Ontem, o site
divulgava uma "bareback party",
no Rio de Janeiro, em março, durante o carnaval.
Já Hitzel, que está em Berlim e
participou do debate após a exibição de "The Gift", é o contraponto
a Kenny, pois afirma ter se arrependido de contrair a doença. "Eu
vivia em São Francisco, e os HIV
positivos lá são muito organizados, enquanto quem não tem a
doença fica isolado. Achei que era
uma forma de pertencer a um
grupo, mas hoje não faria mais,
foi um erro terrível", disse Hitzel,
21. O sentimento de culpa, de jovens que não contraíram a Aids e,
ironicamente, são colados num
gueto, é recorrente em outras entrevistas no documentário.
"Acho que tratar desse tema é
trazer novamente preconceito para a comunidade gay. O documentário é apelativo, pois ignora
a história do que já foi feito contra
a Aids pelos gays. Parece ainda
que há uma generalização, que
agora todos estão querendo contrair a doença, quando isso ocorre
com uma minoria", disse um dos
presentes na platéia, de forma
veemente.
Foi preciso que Wieland Speck,
diretor do Panorama, intercedesse a favor da diretora. "A responsabilidade da exibição do documentário é minha e meu objetivo
foi iniciar um debate. A Aids entra
agora em uma nova fase, mais
complexa, e esse é o momento de
se falar sobre isso", afirmou
Speck, que também é diretor de
filmes sobre homossexualismo.
A questão é de fato complexa e
um de seus possíveis fatores foi levantado pela diretora: "Acredito
que a indústria farmacêutica tem
responsabilidade por essa situação, pois ela vende a idéia de que é
possível viver normalmente com
os medicamentos, como se a
doença tivesse sido erradicada".
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