São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2005

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CINEMA

Clássico de 1925 do diretor russo Sergei Eisenstein é restaurado por técnicos na Alemanha sem os negativos originais

Berlim assiste a nova versão de "Potemkin"

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Apesar dos aplausos entusiasmados após a primeira exibição da cópia restaurada de "O Encouraçado Potemkin" (1925), de Sergei Eisenstein, no último sábado, Enno Patalas, o coordenador da nova versão, sabia não ter feito o melhor trabalho possível.
Para quem viu a sessão (que levou Fernanda Montenegro às lágrimas), engrandecida com a apresentação da Orquestra de Cinema de Babelsberg, o resultado visual parecia aquém do esperado, com riscos na projeção. O motivo não foi divulgado publicamente: a recusa do governo russo, segundo Patalas, em liberar os negativos originais para o projeto.
"Esse projeto teve uma polêmica diplomática. Houve até mesmo uma troca de cartas entre os ministros da Cultura da Rússia e da Alemanha, mas os russos se recusaram a liberar o negativo. Eles chegaram a alegar que não tinham como restaurar o material. Nós explicamos que poderíamos fazê-lo aqui, mas eles foram irredutíveis. Se eles tivessem nos entregado os negativos, a nova versão teria ficado melhor", disse Patalas à Folha, em seu escritório no Museu do Cinema em Berlim.
Patalas estranhou que as autoridades russas nem chegaram a confirmar presença para a apresentação de gala, no sábado. "Creio que eles não queiram se identificar com aquele período revolucionário. Agora, com essa ressurreição de uma mentalidade sãopetersburguiana, nem sei se haverá comemoração à revolução de 1905 [o tema central de "Potemkin'], que antecedeu a Revolução de Outubro", contou.
Quando fazia tal comentário, a assistente de Patalas, Anna Bohn, que chegou a ir à Rússia para a elaboração da nova versão, buscou minimizar o fato. "Talvez ele não participem porque há outros filmes russos no festival."
Bohn é a responsável por uma das poucas novidades dessa nova versão, a correta tipografia dos intertítulos usada por Eisenstein em sua primeira exibição, em 1925, e que depois foi modificada nas subseqüentes versões.
A história de "O Encouraçado Potemkin" é um capítulo importante nas relações culturais entre Alemanha e Rússia. Os negativos originais do filme foram vendidos à Alemanha em 1926, permitindo que os russos fizessem cópias aqui. Foi nesse ano que o compositor alemão Edmundo Meisei criou a trilha sonora, reapresentada no último sábado. Desses originais, várias cópias foram realizadas, entre elas três vendidas à London Film Society.
Depois, em 1933, os negativos voltaram para a Alemanha e, em 1976, uma nova cópia, agora com som, foi vendida novamente para a Alemanha, para o Museu do Cinema de Munique, quando Patalas era seu diretor. A restauração atual usa essa versão de 1976, restaurada com o auxílio das cópias da London Film Society.
Assim, a nova versão reapresenta 15 tomadas que haviam sido cortadas pela censura alemã, mas isso não apresenta uma grande mudança pois o filme tem 1.372 tomadas. "Elas de fato não são tão importantes, pois tampouco são sensacionais, mas tentamos chegar o mais próximo do original." A outra novidade é o texto introdutório de Trótski, que havia sido retirado pelos russos e trocado por um de Lênin.
O Brasil deve ver a nova cópia ainda neste ano. Já estão em andamento negociações para a apresentação da versão restaurada, a princípio no Rio, mas seus organizadores ainda preferem não divulgar o local nem a orquestra.

Competição
Marcada por uma fraca seleção em sua mostra competitiva deste ano, a Berlinale apresentou, ontem, o primeiro forte concorrente. Trata-se de "Paradise Now" (paraíso agora), uma co-produção entre França, Alemanha e Holanda, sobre dois jovens palestinos que vivem em faixas ocupadas perto de Tel Aviv e aceitam serem usados como suicidas. O filme, de Hany Abu-Assd, tem ótimas atuações e aborda tema polêmico sem cair em estereótipos.


O jornalista Fabio Cypriano viaja a convite da organização do festival

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