|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para inglês, Heliópolis vai do lixo à internet
Livro de James Scudamore conta história de garoto nascido na favela
Escritor viveu em SP e esteve no bairro antes de concluir o romance; adotado por ricos, protagonista expõe o
abismo social da cidade
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor inglês James Scudamore, 32, viveu cerca de quatro anos em São Paulo, quando
seu pai trabalhava para uma
multinacional na cidade. Era
fim dos anos 80 e ele, ainda
criança, acompanhava a mãe,
Ruth, em visitas a um orfanato.
Mais de 20 anos depois, Scudamore resolveu colocar no papel parte de suas memórias da
época, de uma São Paulo poluída e com um imenso abismo social, que ele via entre o Morumbi, onde vivia, e o orfanato.
Em "Heliopolis", Scudamore
usa as mudanças que a favela
sofreu ao longo dos anos como
metáfora para seu "romance de
formação". Seu protagonista e
narrador, Ludo, nasceu lá e carrega consigo conflitos que se
espelham em sua relação com a
filha do casal rico que o adotou.
A Heliópolis onde Ludo nasceu é descrita como um lugar
com "a textura caótica de um
aterro sanitário, um depósito
de entulho". Mas que hoje, com
"status oficial de bairro" parece
uma verdadeira cidade "com
prédios de apartamentos e dezenas de milhares de habitantes", com "saneamento completo, acesso à internet" etc.
Em entrevista à Folha, Scudamore, que no ano passado visitou Heliópolis, antes de terminar seu livro, lembrou que
passava muito tempo com
aqueles órfãos, alguns vindos
de lá, e com a mesma idade que
ele. E com quem ia brincar no
Playcenter. "Eu tinha tantas
coisas em comum com aquelas
crianças, mas via que a realidade era bem diferente por um
"acidente de nascimento'", diz.
Críticas elogiosas
Lançado no início deste ano
na Inglaterra (ainda sem previsão de lançamento no Brasil),
"Heliopolis" recebeu vários
elogios da crítica. O jornal
"Daily Telegraph" disse que o
livro tem um "vigor narrativo
irresistível" e o comparou ao
clássico "Grandes Esperanças",
de Dickens. O "Financial Times" ressaltou que o autor empresta voz verossímil a seu protagonista e faz um "comentário
severo sobre o mito da democracia racial no Brasil".
Scudamore, no entanto, ressalva que não quis cometer um
"livro socialmente realista" sobre uma favela: ""Heliopolis" é
um romance sobre o personagem Ludo e sua jornada, e como
sua vida é transformada pelas
circunstâncias", afirma.
Uma preocupação dele, porém, era não soar ofensivo em
suas descrições cruas da favela,
da cidade e sua realidade social.
"Tenho grande respeito e amor
pelo Brasil e não queria fazer
nada errado."
A escolha de Heliópolis para
o título tem razão: o nome, que
significa "cidade do sol", cairia
bem na trama do livro, que
também retrata a vida dos muito ricos, que não circulam nas
ruas, mas sobrevoam a megalópole em helicópteros. De novo,
nada contra a cidade. Como fica
claro na frase escolhida como
epígrafe do romance, atribuída
à atriz Marlene Dietrich: "O Rio
é uma beleza. Mas São Paulo,
São Paulo é uma cidade".
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Trecho Índice
|