São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Para inglês, Heliópolis vai do lixo à internet

Livro de James Scudamore conta história de garoto nascido na favela

Escritor viveu em SP e esteve no bairro antes de concluir o romance; adotado por ricos, protagonista expõe o abismo social da cidade

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor inglês James Scudamore, 32, viveu cerca de quatro anos em São Paulo, quando seu pai trabalhava para uma multinacional na cidade. Era fim dos anos 80 e ele, ainda criança, acompanhava a mãe, Ruth, em visitas a um orfanato.
Mais de 20 anos depois, Scudamore resolveu colocar no papel parte de suas memórias da época, de uma São Paulo poluída e com um imenso abismo social, que ele via entre o Morumbi, onde vivia, e o orfanato.
Em "Heliopolis", Scudamore usa as mudanças que a favela sofreu ao longo dos anos como metáfora para seu "romance de formação". Seu protagonista e narrador, Ludo, nasceu lá e carrega consigo conflitos que se espelham em sua relação com a filha do casal rico que o adotou.
A Heliópolis onde Ludo nasceu é descrita como um lugar com "a textura caótica de um aterro sanitário, um depósito de entulho". Mas que hoje, com "status oficial de bairro" parece uma verdadeira cidade "com prédios de apartamentos e dezenas de milhares de habitantes", com "saneamento completo, acesso à internet" etc.
Em entrevista à Folha, Scudamore, que no ano passado visitou Heliópolis, antes de terminar seu livro, lembrou que passava muito tempo com aqueles órfãos, alguns vindos de lá, e com a mesma idade que ele. E com quem ia brincar no Playcenter. "Eu tinha tantas coisas em comum com aquelas crianças, mas via que a realidade era bem diferente por um "acidente de nascimento'", diz.


Críticas elogiosas
Lançado no início deste ano na Inglaterra (ainda sem previsão de lançamento no Brasil), "Heliopolis" recebeu vários elogios da crítica. O jornal "Daily Telegraph" disse que o livro tem um "vigor narrativo irresistível" e o comparou ao clássico "Grandes Esperanças", de Dickens. O "Financial Times" ressaltou que o autor empresta voz verossímil a seu protagonista e faz um "comentário severo sobre o mito da democracia racial no Brasil".
Scudamore, no entanto, ressalva que não quis cometer um "livro socialmente realista" sobre uma favela: ""Heliopolis" é um romance sobre o personagem Ludo e sua jornada, e como sua vida é transformada pelas circunstâncias", afirma.
Uma preocupação dele, porém, era não soar ofensivo em suas descrições cruas da favela, da cidade e sua realidade social. "Tenho grande respeito e amor pelo Brasil e não queria fazer nada errado."
A escolha de Heliópolis para o título tem razão: o nome, que significa "cidade do sol", cairia bem na trama do livro, que também retrata a vida dos muito ricos, que não circulam nas ruas, mas sobrevoam a megalópole em helicópteros. De novo, nada contra a cidade. Como fica claro na frase escolhida como epígrafe do romance, atribuída à atriz Marlene Dietrich: "O Rio é uma beleza. Mas São Paulo, São Paulo é uma cidade".


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