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"OS SOLITÁRIOS"
Hirsch perde sutileza e muda de água para sangue
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Justamente quando parecia
abrir mão de sua insolência de
recém-chegado, se conformando
com a repetição de procedimentos estéticos belos mas esvaziadores, Felipe Hirsch surge com "Os
Solitários" e enche de carne sangrenta os suplementos culturais.
O incômodo e o fascínio divulgados pelas fotos de Flávio Colker, que fundem retalhos de açougue com fragmentos de corpos
humanos, são claro aviso do que o
público irá enfrentar. Não se inquietem os fãs da estética hirschiniana: continuam presentes as vinhetas caleidoscópicas no telão e
a trilha pop em alto volume. Mas
dessa vez elas não roubam o foco
de um texto vigoroso e inovador e
sobretudo de uma atuação antológica de Marco Nanini.
O espetáculo é composto por
dois textos de Nicky Silver. "Pterodátilos" foi o texto que o impôs
em 1993 no off-Broadway por sua
"absurdidade clássica": a mãe esquece o nome da filha adolescente, que por sua vez não consegue
se lembrar de seu irmão que volta
para casa depois de anos de ausência. O tema da volta ao lar, presente desde a trilogia de Ésquilo e
em textos neoclássicos como
"The Family Reunion", de Elliot, é
também a base de "Homens Gordos de Saia", que Nicky escreveu
antes de "Pterodátilos", mas que é
de longe mais radical. Preso em
uma ilha deserta com sua mãe,
únicos sobreviventes de um desastre de avião, e induzido por ela
a se alimentar dos cadáveres, o
adolescente Bishop evolui de gago
a psicopata ao voltar à civilização.
Fragmentário, paródico, repleto
de referências pop, Silver é o autor
ideal para o projeto de um "teatro
da memória" da Sutil Companhia
de Hirsch. Por outro lado, a companhia ganha reforços preciosos
com os cenários de Daniela Thomas (que expande a idéia presente em "Souvenirs", do cenário que
sobe pelas paredes) e a "direção
de movimento" de Deborah Colker, que antes da brilhante carreira internacional de coreógrafa já
exercia essa função (que dá uma
lógica não naturalista para os movimentos, sem cair no teatro-dança) no "Macbeth" de Ulisses Cruz.
Se Marco Nanini e Marieta Severo podem usufruir assim do
merecido espaço que a Sutil Companhia conquistou no teatro experimental, seus atores têm muito
a ganhar contracenando com intérpretes tão sutis.
Marieta Severo não perde a classe e a beleza mesmo diante das
mais grotescas situações, humanizando o patético de suas personagens, que poderiam facilmente
cair no caricatural. No mesmo caminho vai Nanini, que em "Pterodátilos" tem a espantosa capacidade de fazer de modo verossímil
pai e filha no mesmo espetáculo,
com a agilidade camaleônica que
o consagrou em "Irma Vap". Mas
vai além: em "Homens Gordos de
Saia" constrói o perverso polimorfo Bishop numa síntese da família Adams com o pior assassino-adolescente dos filmes B, com
um resultado hilariante, comovente e assustador.
Quando Bishop transgride o tabu freudiano, parte do público,
indignado, se levanta e sai, com os
olhos vazados. É Felipe Hirsch
abrindo mão de qualquer prudência para cumprir a sua promessa de um teatro transgressor.
Os Solitários
Direção: Felipe Hirsch
Com: Marco Nanini, Marieta Severo,
Wagner Moura e Guilherme Weber
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Andrade Filho, 722, SP, tel. 0/xx/11/
5693-4000)
Quando: sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h
Quanto: de R$ 25 a R$ 50
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