|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NELSON ASCHER
Petöfi e a revolução de 1848
1.848 foi o ano das revoluções
liberais européias. Boa parte
dos povos do continente se encontrava submetida a algumas casas
reais, como os Habsburgos e os
Romanovs, ou, pior, ao império
decadente dos Otomanos. O ano
em questão sacudiu regimes conservadores de Paris a Berlim e de
Viena a Budapeste sem, no entanto, liquidar a todos.
Ao reformismo modernizante
proposto décadas antes pelas alas
liberais da nobreza, aliaram-se
então massas mais populares. O
entusiasmo dos novos contigentes
transformou as reformas cuidadosas da geração anterior numa
impaciência revolucionária. Seu
motor central foi uma nova consciência nacional inculcada por
mestres-escolas, jornalistas e escritores. O problema é que, na
mescla etno-lingüística dos impérios multinacionais, o nacionalismo recém-surgido foi manipulado pelos velhos poderes que, atirando uns contra os outros, conseguiram, afinal, sobreviver.
Consciência nacional ou nacionalismo são termos que não despertam agora grandes simpatias.
Em meados do século 19, porém,
eles eram a forma através da qual
nações colonizadas reivindicavam uma maior participação nas
decisões que lhes diziam respeito.
Durante o século seguinte, o mesmo sentimento tornou-se sinônimo de etnocentrismo reacionário.
Curiosamente, no quadro da formação de uma nova entidade imperial, a União Européia, a resistência nacional das pequenas e
médias nações continentais voltou a ser progressista e democrática.
Foi no dia 15 de março de 1848
que o atrito entre a Hungria e os
Habsburgos que a dominavam
havia séculos se converteu numa
rebelião. Inspiradas, por um lado,
pelas exigências de líderes como
Lajos Kossuth, entre as quais estavam a de uma Constituição e
de um Exército nacional bem como a da liberdade de imprensa, e,
por outro, valendo-se do enfraquecimento temporário do poder
em Viena, a população da capital
húngara principiou uma insurreição que só seria derrotada no
ano seguinte com o auxílio das
tropas russas que, no contexto da
Santa Aliança, o czar enviaria
para socorrer seu parceiro autocrático.
A revolução de 1848-49 foi, para
os padrões da época, uma batalha
épica e apocalíptica da qual participaram inclusive generais poloneses experimentados nas lutas
contra a Rússia czarista. Tratou-se também de um episódio alimentado pela/e gerador de grande literatura. O renascimento literário da língua húngara coincide,
como em muito da Europa Central, com o romantismo e, durante as décadas que antecederam a
revolução, escritores e, principalmente poetas, modernizaram e
refinaram seu instrumento, de
modo a torná-lo vigoroso e acessível a um nascente público leitor.
O poeta nacional da Hungria,
Sándor Petöfi (1823-1849?), filho
de um açougueiro de aldeia, pertence à segunda onda desse movimento. Se a primeira cantou as
glórias ancestrais do país, a sua,
até por causa de origens humildes, dirigiu a atenção a temas
realistas, à estagnação do país e à
miséria de seus habitantes. A carreira de Petöfi foi tão breve quanto rica e nisso ele se assemelha a
antecessores ou contemporâneos
que, de Keats a Púchkin, parecem
ter nascido maduros e produziram, num prazo exíguo, obras
imensas.
Depois de uma infância pobre,
o poeta circulou pelo país, estudou autores como Victor Hugo e
Heinrich Heine, dedicou-se ao
teatro (traduziu o "Coriolano" de
Shakespeare) e fixou-se finalmente na capital como editor de uma
revista. A publicação, em 1845, de
sua breve epopéia joco-séria e folclórica, "János Vitéz" (João Valente), fez dele uma celebridade
imediata, e Petöfi não tardou em
lançar mão de tal prestígio para
propagar suas idéias rebeldes
através de poemas, manifestos
etc.
Ao contrário dos intelectuais
engajados em geral, tão logo principiaram as hostilidades, o poeta
engajou-se diretamente na luta e,
até onde se sabe, desapareceu na
batalha de Segesvár (31 de julho
de 1849). Seu corpo nunca foi encontrado, e persistem até hoje as
lendas segundo as quais ele teria
sido aprisionado pelos russos e
morrido anos mais tarde em cativeiro na Sibéria.
Texto Anterior: Belle & Sebastian dissipa "preguiça" em DVD Próximo Texto: Panorâmica - Música: Rock in Rio-Lisboa confirma Kings of Leon Índice
|