São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2004

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NELSON ASCHER

Petöfi e a revolução de 1848

1.848 foi o ano das revoluções liberais européias. Boa parte dos povos do continente se encontrava submetida a algumas casas reais, como os Habsburgos e os Romanovs, ou, pior, ao império decadente dos Otomanos. O ano em questão sacudiu regimes conservadores de Paris a Berlim e de Viena a Budapeste sem, no entanto, liquidar a todos.
Ao reformismo modernizante proposto décadas antes pelas alas liberais da nobreza, aliaram-se então massas mais populares. O entusiasmo dos novos contigentes transformou as reformas cuidadosas da geração anterior numa impaciência revolucionária. Seu motor central foi uma nova consciência nacional inculcada por mestres-escolas, jornalistas e escritores. O problema é que, na mescla etno-lingüística dos impérios multinacionais, o nacionalismo recém-surgido foi manipulado pelos velhos poderes que, atirando uns contra os outros, conseguiram, afinal, sobreviver.
Consciência nacional ou nacionalismo são termos que não despertam agora grandes simpatias. Em meados do século 19, porém, eles eram a forma através da qual nações colonizadas reivindicavam uma maior participação nas decisões que lhes diziam respeito. Durante o século seguinte, o mesmo sentimento tornou-se sinônimo de etnocentrismo reacionário. Curiosamente, no quadro da formação de uma nova entidade imperial, a União Européia, a resistência nacional das pequenas e médias nações continentais voltou a ser progressista e democrática.
Foi no dia 15 de março de 1848 que o atrito entre a Hungria e os Habsburgos que a dominavam havia séculos se converteu numa rebelião. Inspiradas, por um lado, pelas exigências de líderes como Lajos Kossuth, entre as quais estavam a de uma Constituição e de um Exército nacional bem como a da liberdade de imprensa, e, por outro, valendo-se do enfraquecimento temporário do poder em Viena, a população da capital húngara principiou uma insurreição que só seria derrotada no ano seguinte com o auxílio das tropas russas que, no contexto da Santa Aliança, o czar enviaria para socorrer seu parceiro autocrático.
A revolução de 1848-49 foi, para os padrões da época, uma batalha épica e apocalíptica da qual participaram inclusive generais poloneses experimentados nas lutas contra a Rússia czarista. Tratou-se também de um episódio alimentado pela/e gerador de grande literatura. O renascimento literário da língua húngara coincide, como em muito da Europa Central, com o romantismo e, durante as décadas que antecederam a revolução, escritores e, principalmente poetas, modernizaram e refinaram seu instrumento, de modo a torná-lo vigoroso e acessível a um nascente público leitor.
O poeta nacional da Hungria, Sándor Petöfi (1823-1849?), filho de um açougueiro de aldeia, pertence à segunda onda desse movimento. Se a primeira cantou as glórias ancestrais do país, a sua, até por causa de origens humildes, dirigiu a atenção a temas realistas, à estagnação do país e à miséria de seus habitantes. A carreira de Petöfi foi tão breve quanto rica e nisso ele se assemelha a antecessores ou contemporâneos que, de Keats a Púchkin, parecem ter nascido maduros e produziram, num prazo exíguo, obras imensas.
Depois de uma infância pobre, o poeta circulou pelo país, estudou autores como Victor Hugo e Heinrich Heine, dedicou-se ao teatro (traduziu o "Coriolano" de Shakespeare) e fixou-se finalmente na capital como editor de uma revista. A publicação, em 1845, de sua breve epopéia joco-séria e folclórica, "János Vitéz" (João Valente), fez dele uma celebridade imediata, e Petöfi não tardou em lançar mão de tal prestígio para propagar suas idéias rebeldes através de poemas, manifestos etc.
Ao contrário dos intelectuais engajados em geral, tão logo principiaram as hostilidades, o poeta engajou-se diretamente na luta e, até onde se sabe, desapareceu na batalha de Segesvár (31 de julho de 1849). Seu corpo nunca foi encontrado, e persistem até hoje as lendas segundo as quais ele teria sido aprisionado pelos russos e morrido anos mais tarde em cativeiro na Sibéria.


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