São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Análise/o ator

Encarnar o mesmo papel é parte do sistema

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

"E le não é um ator, de modo que dificilmente alguém poderia chamá-lo de mau ator", atirou a crítica Pauline Kael (1919-2001), da "New Yorker", em frase recolhida por Jeffrey Ryder para a biografia precoce "Clint Eastwood", de 1987.
A maldade de Kael se baseia na ideia de que atores de cinema precisam ser avaliados como atores de teatro: seus "recursos dramáticos" devem permitir que interpretem personagens muito diferentes e que façam o espectador se esquecer de que há um ator diante dele, levando-o a acreditar piamente que se trata mesmo de alguém com aquelas características.
Em cinema, porém, a mecânica da interpretação muitas vezes se dá de outra maneira. Bresson (1901-1999), por exemplo, referia-se a atores como modelos; Hitchcock (1899-1980) não os chamava dessa forma, mas os tratava assim.
Como ator, Clint pertence a uma linhagem que Kael conhecia muito bem: a de figuras como Clark Gable e John Wayne, que também foram criticados por não terem os tais "recursos" e, filme após filme, darem a impressão de fazerem o mesmo papel, o deles mesmos.
Todo o "star system" -o "sistema das estrelas", que balizou a indústria cinematográfica dos EUA- se baseia no princípio do reconhecimento imediato de um ator pelo público, o que facilita a identificação e gera a idolatria. Ninguém na Warner dos anos 70 e 80, por exemplo, seria maluco de reclamar de Clint. Foi por encarnar sempre homens autossuficientes, às vezes mensageiros da justiça divina, em geral como caubói ou policial, que ele se manteve na lista dos "dez mais" rentáveis durante cerca de 20 anos.
Nesse período, foi diversas vezes o primeiro do ranking e se notabilizou como o maior fenômeno de vendas na primeira era do videocassete nos EUA. Se fosse o "ator" que Kael desejava, talvez estragasse tudo.


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