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Análise/o ator
Encarnar o mesmo papel é parte do sistema
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
"E le não é um ator, de
modo que dificilmente alguém poderia chamá-lo de mau ator",
atirou a crítica Pauline Kael
(1919-2001), da "New Yorker",
em frase recolhida por Jeffrey
Ryder para a biografia precoce
"Clint Eastwood", de 1987.
A maldade de Kael se baseia
na ideia de que atores de cinema precisam ser avaliados como atores de teatro: seus "recursos dramáticos" devem permitir que interpretem personagens muito diferentes e que façam o espectador se esquecer
de que há um ator diante dele,
levando-o a acreditar piamente
que se trata mesmo de alguém
com aquelas características.
Em cinema, porém, a mecânica da interpretação muitas
vezes se dá de outra maneira.
Bresson (1901-1999), por
exemplo, referia-se a atores como modelos; Hitchcock (1899-1980) não os chamava dessa
forma, mas os tratava assim.
Como ator, Clint pertence a
uma linhagem que Kael conhecia muito bem: a de figuras como Clark Gable e John Wayne,
que também foram criticados
por não terem os tais "recursos" e, filme após filme, darem a
impressão de fazerem o mesmo
papel, o deles mesmos.
Todo o "star system" -o "sistema das estrelas", que balizou
a indústria cinematográfica dos
EUA- se baseia no princípio do
reconhecimento imediato de
um ator pelo público, o que facilita a identificação e gera a
idolatria. Ninguém na Warner
dos anos 70 e 80, por exemplo,
seria maluco de reclamar de
Clint. Foi por encarnar sempre
homens autossuficientes, às
vezes mensageiros da justiça
divina, em geral como caubói
ou policial, que ele se manteve
na lista dos "dez mais" rentáveis durante cerca de 20 anos.
Nesse período, foi diversas
vezes o primeiro do ranking e
se notabilizou como o maior fenômeno de vendas na primeira
era do videocassete nos EUA.
Se fosse o "ator" que Kael desejava, talvez estragasse tudo.
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