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Análise/o diretor
Cineasta reencontra a tradição para transformá-la
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Clint Eastwood não esperou até fazer "Bird"
para se tornar um bom
diretor. A partir dali, apenas
tornou-se mais fácil dissociá-los das figuras do caubói rústico
e do policial violento que o haviam tornado famoso.
É verdade que, naquele momento, final dos anos 80, deixam de existir os tateamentos
estilísticos dos primeiros anos:
Clint adotará então uma linha
classicizante, em contraste
com vários de seus filmes iniciais (como "O Estranho Sem
Nome"), em que o estilo ainda
parecia dependente ora de Sergio Leone, pela estilização, ora
de Don Siegel, pela franqueza.
Desde ali, no entanto, alguns
elementos temáticos surgiam:
a presença da morte como referência quase obrigatória, o aspecto sadomasoquista da violência. É aos poucos, na medida
em que amadurece, que seus
filmes passam a expressar uma
preocupação mais marcada
com o passado, com aquilo que
o tempo representa como perda e dor. É algo que o belíssimo
"Bronco Billy" (1980) já anuncia, ao colocar em cena a figura
do cowboy deslocado no mundo contemporâneo.
Clint é um dos raros diretores que aprecia, em suas entrevistas, referir seu apego aos filmes clássicos a que assistiu.
Não faz isso para agradar aos
interlocutores. É com eles, efetivamente, que se dá seu diálogo. Mas não se trata de voltar
no tempo, nostalgicamente.
Trata-se de reencontrar uma
tradição para transformá-la.
Assim, em "Os Imperdoáveis",
provavelmente seu melhor filme, o herói já não é o caubói,
mas o fantasma do caubói: não
o tipo heroico construído pelos
velhos faroestes, mas um bando de velhacos, bêbados, boçais.
Se o filme clássico é o território da crença, nossa era é a da
descrença, da dúvida. O presente precisa se alimentar do passado se quiser crescer, nos lembram os filhos caretas de "As
Pontes de Madison". Mas o movimento é pendular: num momento posterior, o velho, o passado, necessita do novo para
persistir ("Menina de Ouro"),
para não se decompor.
Os filmes de guerra de Clint
remetem -mais pela visão do
que pelo estilo- a um autor que
não costuma citar: Samuel
Fuller. Talvez porque Fuller seja um moderno, como Siegel,
que toca os problemas de frente. Dizia Fuller que na guerra o
único heroísmo consiste em sobreviver, algo que Clint retoma
com frequência.
De certa forma, veremos todas essas questões retornarem
em "Gran Torino", filme em
que a irreversibilidade do tempo é posta de maneira dramática. Assim, o notável "duelo final" baseia-se numa expectativa: a do retorno à ativa do velho
cauboí do "western spaghetti".
Veremos como Clint faz passado e presente se fundirem com
mão de mestre.
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