São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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"Kurosawa teve grande influência sobre mim"

Clint afirma que o apreço pelo diretor japonês o levou a atuar em "Por um Punhado de Dólares"

EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

"Se não gostasse de Kurosawa, minha vida teria sido muito diferente." Neste segundo trecho da entrevista, Clint Eastwood volta no tempo e conta que decidiu fazer "Por um Punhado de Dólares" por saber que o longa era inspirado em "Yojimbo", filme sobre samurai mercenário, do japonês Akira Kurosawa, de quem era fã.
Afirma ainda que "Os Imperdoáveis" foi uma virada em sua carreira, reclama dos "brinquedos" digitais de Hollywood e crava: "A história é o rei". (LEONARDO CRUZ)  

FOLHA - Qual o papel de Sergio Leone e Don Siegel em sua carreira?
CLINT
- Os dois foram muito importantes. Sergio estava fazendo uma experiência importante, um diretor europeu, italiano, trabalhando com um gênero americano e fazendo faroestes muito estilizados, operísticos. E a forma corajosa como ele fazia esses filmes me serviu de base. Com Don Siegel era um outro tipo de diretor, um contador de histórias urbano. Aprendi muito com os dois. E também com diretores com quem nunca trabalhei, vendo seus filmes ao longo da vida.

FOLHA - Por exemplo?
CLINT
- John Ford. Quando eu estava crescendo, ele era uma enorme influência para todo mundo. Howard Hawks também, além de [Frank] Capra e [Alfred] Hitchcock. Esses eram os que eu mais acompanhava.

FOLHA - E fora dos EUA?
CLINT
- Sempre fui um grande fã de Akira Kurosawa. Foi esse apreço que me fez atuar em "Um Punhado de Dólares". Só fui filmar com Sergio Leone porque sabia que ele estava fazendo uma refilmagem de "Yojimbo", um dos grandes filmes de Kurosawa. Mesmo sem nunca ter trabalhado com ele, Kurosawa teve grande influência na minha vida, pelo fato de que gostava demais de seus filmes.
Se eu não gostasse, provavelmente não teria feito "Por um Punhado de Dólares" e minha vida teria sido muito diferente.

FOLHA - Então, você deve sua carreira a Kurosawa?
CLINT
- Sim, sim [risos].

FOLHA - Nos anos 60 e 70, você fez muitos filmes de gênero -faroestes e policiais. Os anos 80, com longas como "Bird", foram uma transição?
CLINT
- De certa forma, sim. É verdade que nos anos 70 eu já dirigia, fiz filmes como "Josey Wales, o Fora-da-Lei". Mas foi nos anos 80 que meu trabalho como diretor tomou uma forma mais definida. Uma espécie de preparação para os anos 90, quando comecei a filmar meus melhores trabalhos, a começar por "Os Imperdoáveis", em 1992, e depois com filmes como "Um Mundo Perfeito" e "As Pontes de Madison".

FOLHA - "Os Imperdoáveis" foi um ponto de virada?
CLINT
- Sim, sem dúvida.

FOLHA - O sucesso como ator permitiu que você abrisse a Malpaso, sua produtora, já nos anos 70. Quando decidiu que queria dirigir?
CLINT
- Sempre quis dirigir. Decidi no fim dos anos 60 e, no início dos 70, já estava filmando.

FOLHA - Então sempre preferiu dirigir a atuar?
CLINT
- Sim. Como diretor, tenho liberdade para contar as histórias que quero. E não preciso ficar na frente das câmeras o tempo todo e ser acusado de má atuação [risos].

FOLHA - Acha que teria se firmado como diretor sem a Malpaso?
CLINT
- Provavelmente, não. Sempre me interessei pelos bons argumentos, em vez de só fazer o trabalho pelo dinheiro e seguir em frente. Mas nem sempre os estúdios estão interessados nas melhores histórias, ou nas histórias que considero mais interessantes. Por isso a Malpaso foi fundamental.

FOLHA - Fazer cinema hoje é mais difícil do que no passado?
CLINT
- Não creio. Acho que o cinema está bem e sempre esteve bem. O cinema nunca enfrentou uma grande crise. Nem econômica nem de criatividade, pois sempre houve público interessado em ver filmes e artistas interessados em criá-los. Mas, hoje, o que atrapalha o cinema às vezes são os "brinquedos". E por "brinquedos" eu me refiro à enorme habilidade atual de criar grandes efeitos especiais. Isso pode ser uma ótima ferramenta, mas às vezes esses "brinquedos" se tornam a coisa mais importante de um filme, deixando a história de lado. É um erro. A história é o principal, a história é o rei.

FOLHA - Você tem atuado cada vez menos nos últimos anos. Perdeu o interesse pela atuação ou faltam bons personagens mais velhos?
CLINT
- É um pouco das duas coisas. Não sei quantos bons papéis para caras com 78 anos ainda aparecerão no futuro. Mas, se alguma boa história aparecer, com um bom personagem, eu o farei. Só não estou procurando papéis. Sinto muito prazer em dirigir os filmes e assistir à atuação dos outros.

FOLHA - Você já dirigiu quase 30 filmes e atuou em mais de 50. Tem um favorito?
CLINT
- Ai, Deus... Não sei.

FOLHA - "Os Imperdoáveis"?
CLINT
- Certamente é um deles. Mas gosto muito dos mais recentes, "Sobre Meninos e Lobos", "Menina de Ouro", "A Troca", "Gran Torino". Mas não tenho um grande favorito.
Talvez em alguns anos eu consiga olhar para trás e escolher um deles. Hoje é difícil demais. Mas "Os Imperdoáveis" certamente estaria no topo da lista.

FOLHA - Como ex-prefeito de Carmel, como vê a política dos EUA?
CLINT
- Precisamos de bons políticos. Espero que o presidente Obama vire um deles, mas é cedo para saber, porque só o que sabemos dele é o que vimos na eleição. E campanha é só conversa. Mas estou otimista.

FOLHA - Seu próximo filme, "The Human Factor", é sobre um episódio da presidência de Nelson Mandela na África do Sul em 1995. É uma coincidência fazê-lo agora, quando há um presidente negro nos EUA?
CLINT
- Não foi programado. Faria "The Human Factor" antes, mas resolvi adiá-lo ao ler o roteiro de "Gran Torino". O fato é que sempre fui grande admirador de Mandela, acho a trajetória dele admirável, e ele fez coisas fantásticas para a reunificação da África do Sul. Coisas que espero de Obama faça nos EUA a partir de agora.


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