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"Kurosawa teve grande influência sobre mim"
Clint afirma que o apreço pelo diretor japonês o levou a atuar em "Por um Punhado de Dólares"
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
"Se não gostasse de Kurosawa, minha vida teria sido muito
diferente." Neste segundo trecho da entrevista, Clint Eastwood volta no tempo e conta
que decidiu fazer "Por um Punhado de Dólares" por saber
que o longa era inspirado em
"Yojimbo", filme sobre samurai
mercenário, do japonês Akira
Kurosawa, de quem era fã.
Afirma ainda que "Os Imperdoáveis" foi uma virada em sua
carreira, reclama dos "brinquedos" digitais de Hollywood e
crava: "A história é o rei".
(LEONARDO CRUZ)
FOLHA - Qual o papel de Sergio
Leone e Don Siegel em sua carreira?
CLINT - Os dois foram muito
importantes. Sergio estava fazendo uma experiência importante, um diretor europeu, italiano, trabalhando com um gênero americano e fazendo faroestes muito estilizados, operísticos. E a forma corajosa como ele fazia esses filmes me
serviu de base. Com Don Siegel
era um outro tipo de diretor,
um contador de histórias urbano. Aprendi muito com os dois.
E também com diretores com
quem nunca trabalhei, vendo
seus filmes ao longo da vida.
FOLHA - Por exemplo?
CLINT - John Ford. Quando eu
estava crescendo, ele era uma
enorme influência para todo
mundo. Howard Hawks também, além de [Frank] Capra e
[Alfred] Hitchcock. Esses eram
os que eu mais acompanhava.
FOLHA - E fora dos EUA?
CLINT - Sempre fui um grande
fã de Akira Kurosawa. Foi esse
apreço que me fez atuar em
"Um Punhado de Dólares". Só
fui filmar com Sergio Leone
porque sabia que ele estava fazendo uma refilmagem de "Yojimbo", um dos grandes filmes
de Kurosawa. Mesmo sem nunca ter trabalhado com ele, Kurosawa teve grande influência
na minha vida, pelo fato de que
gostava demais de seus filmes.
Se eu não gostasse, provavelmente não teria feito "Por um
Punhado de Dólares" e minha
vida teria sido muito diferente.
FOLHA - Então, você deve sua carreira a Kurosawa?
CLINT - Sim, sim [risos].
FOLHA - Nos anos 60 e 70, você fez
muitos filmes de gênero -faroestes
e policiais. Os anos 80, com longas
como "Bird", foram uma transição?
CLINT - De certa forma, sim. É
verdade que nos anos 70 eu já
dirigia, fiz filmes como "Josey
Wales, o Fora-da-Lei". Mas foi
nos anos 80 que meu trabalho
como diretor tomou uma forma mais definida. Uma espécie
de preparação para os anos 90,
quando comecei a filmar meus
melhores trabalhos, a começar
por "Os Imperdoáveis", em
1992, e depois com filmes como
"Um Mundo Perfeito" e "As
Pontes de Madison".
FOLHA - "Os Imperdoáveis" foi um
ponto de virada?
CLINT - Sim, sem dúvida.
FOLHA - O sucesso como ator permitiu que você abrisse a Malpaso,
sua produtora, já nos anos 70.
Quando decidiu que queria dirigir?
CLINT - Sempre quis dirigir. Decidi no fim dos anos 60 e, no início dos 70, já estava filmando.
FOLHA - Então sempre preferiu dirigir a atuar?
CLINT - Sim. Como diretor, tenho liberdade para contar as
histórias que quero. E não preciso ficar na frente das câmeras
o tempo todo e ser acusado de
má atuação [risos].
FOLHA - Acha que teria se firmado
como diretor sem a Malpaso?
CLINT - Provavelmente, não.
Sempre me interessei pelos
bons argumentos, em vez de só
fazer o trabalho pelo dinheiro e
seguir em frente. Mas nem
sempre os estúdios estão interessados nas melhores histórias, ou nas histórias que considero mais interessantes. Por isso a Malpaso foi fundamental.
FOLHA - Fazer cinema hoje é mais
difícil do que no passado?
CLINT - Não creio. Acho que o
cinema está bem e sempre esteve bem. O cinema nunca enfrentou uma grande crise. Nem
econômica nem de criatividade, pois sempre houve público
interessado em ver filmes e artistas interessados em criá-los.
Mas, hoje, o que atrapalha o
cinema às vezes são os "brinquedos". E por "brinquedos" eu
me refiro à enorme habilidade
atual de criar grandes efeitos
especiais. Isso pode ser uma
ótima ferramenta, mas às vezes
esses "brinquedos" se tornam a
coisa mais importante de um
filme, deixando a história de lado. É um erro. A história é o
principal, a história é o rei.
FOLHA - Você tem atuado cada vez
menos nos últimos anos. Perdeu o
interesse pela atuação ou faltam
bons personagens mais velhos?
CLINT - É um pouco das duas
coisas. Não sei quantos bons
papéis para caras com 78 anos
ainda aparecerão no futuro.
Mas, se alguma boa história
aparecer, com um bom personagem, eu o farei. Só não estou
procurando papéis. Sinto muito prazer em dirigir os filmes e
assistir à atuação dos outros.
FOLHA - Você já dirigiu quase 30 filmes e atuou em mais de 50. Tem um
favorito?
CLINT - Ai, Deus... Não sei.
FOLHA - "Os Imperdoáveis"?
CLINT - Certamente é um deles.
Mas gosto muito dos mais recentes, "Sobre Meninos e Lobos", "Menina de Ouro", "A
Troca", "Gran Torino". Mas
não tenho um grande favorito.
Talvez em alguns anos eu consiga olhar para trás e escolher
um deles. Hoje é difícil demais.
Mas "Os Imperdoáveis" certamente estaria no topo da lista.
FOLHA - Como ex-prefeito de Carmel, como vê a política dos EUA?
CLINT - Precisamos de bons políticos. Espero que o presidente
Obama vire um deles, mas é cedo para saber, porque só o que
sabemos dele é o que vimos na
eleição. E campanha é só conversa. Mas estou otimista.
FOLHA - Seu próximo filme, "The
Human Factor", é sobre um episódio
da presidência de Nelson Mandela
na África do Sul em 1995. É uma
coincidência fazê-lo agora, quando
há um presidente negro nos EUA?
CLINT - Não foi programado.
Faria "The Human Factor" antes, mas resolvi adiá-lo ao ler o
roteiro de "Gran Torino". O fato é que sempre fui grande admirador de Mandela, acho a
trajetória dele admirável, e ele
fez coisas fantásticas para a
reunificação da África do Sul.
Coisas que espero de Obama faça nos EUA a partir de agora.
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