RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA

Em suas cartelas iniciais, "Criação" classifica a publicação de "A Origem das Espécies", em que o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) formula a teoria da evolução, como a maior aventura intelectual da história da humanidade. Nas duas horas seguintes, porém, o diretor Jon Amiel ("Armadilha") se esforça para reduzir essa "tour de force" do pensamento a um drama conjugal.
O filme flagra Darwin (Paul Bettany) em um momento crítico. Depois de acompanhar, de forma impotente, a morte de sua querida primogênita Anna, precisa enfrentar ao mesmo tempo a ruína de sua saúde e de seu casamento com a prima-irmã Emma (Jennifer Connely). Fragilizado física e psicologicamente, Darwin protela a decisão de escrever e publicar seu tratado sobre a evolução da espécie. O filme assume a tese de que o motivo central de sua paralisação foi o conflito dentro do próprio lar do cientista: Emma era profundamente religiosa; Darwin foi criado como cristão e tornou-se um agnóstico.
No contexto de crise matrimonial, "A Origem das Espécies" -que, segundo o editor do livro, iria "assassinar Deus", por mostrar que os seres vivos evoluem na luta pela sobrevivência e não por desígnio divino- seria não apenas uma revolução científica como também a última pá de cal no casamento de seu autor. Por isso, Darwin convalesce e hesita. Mas o filme parece menos interessado em usar o célebre conflito conjugal para exemplificar a divisão humana entre fé e razão do que em fisgar a atenção do público com a estratégia do melodrama. Para o cinemão, grandes figuras da ciência e da arte só interessam se as histórias arrancarem lágrimas.
Jon Amiel conduz seu filme com elegância, e cria alguns momentos de graça e beleza. Mas, na maior parte do tempo, a mão segura do diretor revela-se também pesada. Para atrair o público, faria melhor se deixasse o tom solene que sobrecarrega a maioria das recentes cinebiografias históricas.