São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Crítica

Lançamentos evidenciam a maturação da obra de Kar-wai

Chegam às locadoras "Conflito Mortal" realizado em 1988, e "Eros", de 2004

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O tempo é uma questão essencial no cinema do chinês Wong Kar-wai.
É no vaivém amoroso e na busca pela demorada conexão entre personagens solitários que ele encontra os temas que o fizeram construir uma das filmografias mais cultuadas do cinema atual. Pois é ironicamente o tempo que redime sua estréia na direção, o irregular "Conflito Mortal" (1988), que chega agora ao Brasil em DVD. Colocado ao lado de outro lançamento recente, o filme-conjunto "Eros" (2004), no qual dirige o segmento "A Mão", tem-se um panorama mais amplo de como Kar-wai maturou seu olhar.
Os dois filmes partem de uma idéia parecida: a doença como fator de união, brevíssima, entre amantes. No entanto, as semelhanças param por aí.
"Conflito Mortal" é uma espécie de versão do diretor para "Caminhos Perigosos" (1973), de Scorsese. Quem espera as metáforas saudavelmente pueris de Kar-wai vai se desapontar. Este é um típico filme de gângster, violento e cheio de ação, na linha de John Woo.
O longa conta a história de Wah (Andy Lau), líder de gangue de rua que apadrinha um tolo metido a valentão, sempre disposto a desafiar chefes rivais. Wah percebe que é hora de mudar de vida quando se apaixona pela prima Ngor (Maggie Cheung), que está em Hong Kong para cuidar da saúde.
Se em filmes posteriores a trama é apenas um pretexto para vôos estilísticos e poéticos maiores, em "Conflito Mortal" há só um esboço. Mas já é totalmente um cinema de néon.
A atmosfera de caos urbano de "Amores Expressos" (1994), por exemplo, já está aqui. Kar-wai, na estréia, não tem o apoio do diretor de fotografia Chris Doyle (quem cumpre a função é Andrew Lau, um dos diretores de "Conflitos Internos", filme que serviu de base para "Os Infiltrados", de Scorsese), mas já usa a velocidade alterada, imagens distorcidas, filtros e planos estáticos da cidade.
Há, sim, um grande desencontro amoroso, embalado por uma versão local de "Take My Breath Away" (hit oitentista da trilha de "Top Gun"), mas é algo secundário na trama. Kar-wai ainda não tornava seus fetiches públicos. A experiência não será renegada pelo diretor. "Anjos Caídos" (1995), por exemplo, também paga tributo ao filme de gângster e parece reaproveitar e aperfeiçoar idéias de "Conflito Mortal".
Dezesseis anos após "Conflito Mortal", quando é lançado "Eros", Kar-wai é, ele próprio, um fetiche, um autor que consegue unir o Oriente e o Ocidente, conceitos de Antonioni e Godard. "A Mão", melhor episódio do filme (Antonioni e Steven Soderbergh dirigem os outros), que aborda sexo e amor, cumpre a proposta temática que Kar-wai escolheu em sua carreira. Na história do alfaiate que vive uma paixão platônica por uma cortesã, o diretor confirma sua obsessão pela nostalgia dos anos 60, pelo glamour de mulheres maravilhosas e, novamente, pelo tempo, como fator de união e separação de almas desoladas.


CONFLITO MORTAL
Distribuidora:
Europa (só para locação)
Avaliação: regular

EROS
Distribuidora: Califórnia (só para locação)
Avaliação: bom


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