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Para Bienal, "pixo" pode ser arte e política
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia, a seguir, entrevista de
Moacir dos Anjos, o curador-geral da 29ª Bienal, à Folha.
(FM)
FOLHA - Por que incluir os pichadores da 28ª Bienal na 29ª?
MOACIR DOS ANJOS
- Não se trata
de um pedido de desculpas ou
de um confronto com a edição
anterior. Queremos incluir a
pixação ou simplesmente o pixo, com "x" mesmo, grafia usada por seus praticantes para se
diferenciarem das pichações
político-partidárias que há
anos enchem os muros da cidade. O pixo borra e questiona os
limites usuais que separam arte
e política. E essa questão interessa muito a esta Bienal.
Política é aqui entendida não
como espaço de apaziguamento de diferenças, mas justamente o contrário. O espaço
formado pelos atos e gestos que
abrem fissuras nas convenções
que organizam a vida comum.
Como coloca o filósofo Jacques
Rancière, é a política como esfera do "desentendimento".
FOLHA - Isso não é demagogia?
DOS ANJOS
- Seria demagogia se
estivéssemos convidando pixadores como convidamos tantos
outros artistas. Sabemos que
essa igualdade não existe, e eles
também sabem. O que interessa é entender essas diferenças e
os limites e possibilidades dessa aproximação.
Ninguém está tentando escamotear nada. A aposta é na explicitação de questões, e não
nas respostas fáceis. Nosso empenho é demonstrar que a Bienal pode ser plataforma privilegiada para a formulação dessas
questões. Se conseguirmos isso, já teremos dado contribuição relevante.
FOLHA - Como pichadores e curadoria se aproximaram?
DOS ANJOS
- Os eventos de 2008
tiveram o mérito de empenhar
pessoas e instituições na tentativa de entender o episódio. O
anúncio de que a 29ª Bienal teria como foco a relação entre
arte e política levou os pixadores a fazerem o primeiro contato. Eles entenderam que haveria a possibilidade de dar visibilidade a questões que foram, e
ainda são, mal entendidas pela
maioria da população.
O papel da curadoria é propor estratégias de inserção do
pixo que, contudo, não o "domestiquem", tornando-o algo
passível de fácil inserção num
mercado sedento por novidades para serem vendidas.
FOLHA - Os pichadores se encaixam no projeto curatorial?
DOS ANJOS
- O pixo é uma manifestação visual que traz embutida uma visão de mundo que
não cabe nos acordos que regem a vida comum de São Paulo. E, apesar disso, o pixo está aí,
cobrindo a superfície disponível, forçando a passagem num
país cujas elites ainda preferem
ignorar fraturas sociais.
Dando visibilidade a algo e
falando de algo que, não fosse
pela grafia aparentemente cifrada que os pixadores usam,
dificilmente seria dito. Nesse
sentido, pixo é política. E nesse
sentido, é arte também.
FOLHA - Pixo, então, é arte?
DOS ANJOS
- Nesse sentido que
falei, sim. A questão é outra: Se
o pixo é exposto numa Bienal,
permanece sendo arte? É com
essa aparente contradição que
teremos de lidar. Pois se o que
faz o pixo ser arte é o fato de ele
desconcertar os sentidos, o que
acontece se o pixo é trazido para o ambiente controlado do
chamado "campo" da arte?
Mantém a potência ou se torna
ilustração de si mesmo?
É esse desafio que curadores
e pixadores tem de enfrentar
juntos, de modo que ultrapassem duas situações simétricas e
indesejadas: por um lado, a
simples rejeição ao que causa
desconforto; por outro, o desejo de cooptar o diferente para
torná-lo igual a nós mesmos.
FOLHA ONLINE
Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/101041
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