São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2010

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Para Bienal, "pixo" pode ser arte e política

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia, a seguir, entrevista de Moacir dos Anjos, o curador-geral da 29ª Bienal, à Folha. (FM)

 

FOLHA - Por que incluir os pichadores da 28ª Bienal na 29ª?
MOACIR DOS ANJOS
- Não se trata de um pedido de desculpas ou de um confronto com a edição anterior. Queremos incluir a pixação ou simplesmente o pixo, com "x" mesmo, grafia usada por seus praticantes para se diferenciarem das pichações político-partidárias que há anos enchem os muros da cidade. O pixo borra e questiona os limites usuais que separam arte e política. E essa questão interessa muito a esta Bienal. Política é aqui entendida não como espaço de apaziguamento de diferenças, mas justamente o contrário. O espaço formado pelos atos e gestos que abrem fissuras nas convenções que organizam a vida comum. Como coloca o filósofo Jacques Rancière, é a política como esfera do "desentendimento".

FOLHA - Isso não é demagogia?
DOS ANJOS
- Seria demagogia se estivéssemos convidando pixadores como convidamos tantos outros artistas. Sabemos que essa igualdade não existe, e eles também sabem. O que interessa é entender essas diferenças e os limites e possibilidades dessa aproximação. Ninguém está tentando escamotear nada. A aposta é na explicitação de questões, e não nas respostas fáceis. Nosso empenho é demonstrar que a Bienal pode ser plataforma privilegiada para a formulação dessas questões. Se conseguirmos isso, já teremos dado contribuição relevante.

FOLHA - Como pichadores e curadoria se aproximaram?
DOS ANJOS
- Os eventos de 2008 tiveram o mérito de empenhar pessoas e instituições na tentativa de entender o episódio. O anúncio de que a 29ª Bienal teria como foco a relação entre arte e política levou os pixadores a fazerem o primeiro contato. Eles entenderam que haveria a possibilidade de dar visibilidade a questões que foram, e ainda são, mal entendidas pela maioria da população. O papel da curadoria é propor estratégias de inserção do pixo que, contudo, não o "domestiquem", tornando-o algo passível de fácil inserção num mercado sedento por novidades para serem vendidas.

FOLHA - Os pichadores se encaixam no projeto curatorial?
DOS ANJOS
- O pixo é uma manifestação visual que traz embutida uma visão de mundo que não cabe nos acordos que regem a vida comum de São Paulo. E, apesar disso, o pixo está aí, cobrindo a superfície disponível, forçando a passagem num país cujas elites ainda preferem ignorar fraturas sociais. Dando visibilidade a algo e falando de algo que, não fosse pela grafia aparentemente cifrada que os pixadores usam, dificilmente seria dito. Nesse sentido, pixo é política. E nesse sentido, é arte também.

FOLHA - Pixo, então, é arte?
DOS ANJOS
- Nesse sentido que falei, sim. A questão é outra: Se o pixo é exposto numa Bienal, permanece sendo arte? É com essa aparente contradição que teremos de lidar. Pois se o que faz o pixo ser arte é o fato de ele desconcertar os sentidos, o que acontece se o pixo é trazido para o ambiente controlado do chamado "campo" da arte? Mantém a potência ou se torna ilustração de si mesmo? É esse desafio que curadores e pixadores tem de enfrentar juntos, de modo que ultrapassem duas situações simétricas e indesejadas: por um lado, a simples rejeição ao que causa desconforto; por outro, o desejo de cooptar o diferente para torná-lo igual a nós mesmos.

FOLHA ONLINE
Leia a íntegra da entrevista
www.folha.com.br/101041

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