São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2006

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Cinema de Zurlini traz a beleza dos vencidos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Mal dá para acreditar, hoje, que Claudia Cardinale tenha sido uma das mulheres mais admiradas do mundo por sua beleza. Quem a vir em "A Moça com a Valise" (Eurochannel, meia-noite) pode se surpreender com essas formas arredondadas que poderiam passar, hoje, por pecado capital.
Claudia foi uma das últimas estrelas cheinhas com direito a virar "sex symbol". Logo depois entrariam em cena as Veruschkas e outras modelos, colocando suas ossadas em evidência. Jean Renoir é um que havia de odiar a era das modelos. Ele achava mulher magra uma coisa triste.
Fim da digressão: não estamos com Renoir, e sim com Zurlini. São sensibilidades diferentes. Renoir era capaz de extrair alegria de qualquer coisa. Sabia localizar a vitalidade até na mais soturna tragédia. Zurlini, ao contrário, parecia perseguir a tristeza. E "A Moça com a Valise" (1961) é um filme sobre pessoas tristes.
Existe, é claro, Aida (Claudia), a moça da maleta, de quem o rico Marcello pretende se aproveitar. E existe Lorenzo (Jacques Perrin), o irmão adolescente, belo e triste, encarregado de livrar-se de Aida, quando ela se torna um aborrecimento para Marcello. Ocorre que as sensibilidades de Aida e Lorenzo sintonizam, os dois começam a desenvolver um diálogo. Algo de humano se manifesta.
Então ocorre o que há de mais fantástico no filme. Se alguém quiser contestar o arredondado de Claudia, que o faça. Sua beleza continuará inegável. O mesmo se pode dizer de Jacques Perrin. Mas a beleza desses dois seres, nas mãos de Zurlini, e à medida que o filme se desenvolve, se espiritualiza. Pensamos: foram feitos um para o outro. Um pode tirar o outro da situação de tristeza em que se encontra, a tal ponto suas almas parecem sintonizadas.
Eles são dois vencidos. Eis aí outra coisa que nosso tempo abomina. Queremos apenas vencedores. Mas Zurlini sabe que a poesia pode estar na derrota, assim como nas formas arredondadas.


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