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Cannes, 60, retira aposta em "choque"
Diretor-artístico do festival, Thierry Frémaux afirma que não há escândalos premeditados e que é impossível prevê-los
Segundo Frémaux, filme de Michael Moore ficou fora de competição em decisão conjunta com diretor, para evitar "pressão do retorno"
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das mais memoráveis
cenas do Festival de Cannes
ocorreu há 20 anos. Quando a
platéia [de convidados] vaiou a
entrega da Palma de Ouro a
"Sob o Sol de Satã", de Maurice
Pialat, ele devolveu na mesma
moeda: "Se vocês não me
amam, posso dizer que também não amo vocês!". Foi a última vez que a França venceu a
Palma.
A trajetória de Pialat (1925-2003) será lembrada na 60ª
edição do festival, que começa
amanhã, pelo documentário
"Pialat, l'Amour Existe" (Pialat,
o amor existe).
Mas escândalos como esse ficarão apenas na lembrança, se
é fato que os de hoje vêm apenas da imprensa e do público,
conforme afirma o diretor-artístico do festival, Thierry Frémaux, na entrevista a seguir.
FOLHA - Vários cineastas brasileiros submeteram seus filmes ao Festival de Cannes. Nenhum foi escolhido para a competição. Como avalia
a atual safra brasileira? O que faltou
a esses filmes para a seleção?
THIERRY FRÉMAUX - Não faço comentários sobre filmes não selecionados, apenas sobre a seleção. O Brasil é um grande país
do cinema, assim como a Itália,
a Inglaterra e a Espanha, que
também não tiveram filmes escolhidos para a competição.
O Brasil voltará. Com certeza. Prometi isso ao [ministro da
Cultura] Gilberto Gil e à [diretora-geral do Festival do Rio]
Ilda Santiago.
FOLHA - Por que o novo documentário de Michael Moore, "Sicko", foi
escalado fora de competição?
FRÉMAUX - Foi uma decisão que
tomamos junto com Michael.
Ele veio duas vezes em competição, ganhou a Palma de Ouro
["Fahrenheit - 11 de Setembro",
2004]. O que pode esperar?
"Sicko" é formidável, emocionante, combativo. Mas é importante que ele venha a Cannes sem a pressão do retorno
após a Palma de Ouro. Michael
é muito popular e amado. Ele
virá pelo prazer de mostrar o
filme, de estar aqui no 60º aniversário do Festival de Cannes.
FOLHA - O festival terá neste ano
um "filme-choque"?
FRÉMAUX - Não sei. Não há nada
premeditado. Como saber o
que vai acontecer? No ano passado, o filme norte-americano
"Shortbus", de John Cameron
Mitchell, mostrava o ato sexual
sob todas as formas possíveis e
não houve nenhuma reação.
Nada! Nenhuma rejeição.
O escândalo é sempre provocado pelos espectadores ou pela imprensa. Quer dizer, talvez,
em 2002, [a atriz] Monica Bellucci estivesse um pouco sexy
demais, quando subiu as escadarias do Palácio do Festival
para a sessão de "Irreversível",
de Gaspar Noé, à meia-noite,
numa atmosfera já elétrica.
Mas foi um belo espetáculo.
FOLHA - O Festival de Cannes procurou um traço comum aos filmes
selecionados para esta 60ª edição?
FRÉMAUX - Tenho certa rejeição à idéia de definir temas para filmes que vêm de países,
culturas e estilos diferentes.
Contudo, todos acabam falando do mundo em que vivemos,
e também do que é, foi e será o
cinema. Uma seleção é uma
viagem: bela, admirável, surpreendente, difícil. O fio condutor é a convicção artística.
Este será um festival de técnicos, dada a fotografia extraordinariamente boa de todos os filmes. Em suma, é uma seleção
que homenageia o cinema.
FOLHA - Como deve ser encarada a
numerosa presença de títulos americanos na seleção oficial?
FRÉMAUX - Exclusivamente pela qualidade dos filmes. O cinema norte-americano é um dos
maiores do mundo e voltará a
provar isso. Não nos esqueçamos que, entre os cinco filmes
norte-americanos apresentados, há três Palmas de Ouro
-os irmãos Coen ["Matadores
de Velhinhas", 2004], Quentin
Tarantino ["Pulp Fiction",
1994] e Gus Van Sant ["Elefante", 2003]. São grandes autores.
FOLHA - À parte a competição pela
Palma de Ouro, qual será o grande
acontecimento desta edição?
FRÉMAUX - A noite de aniversário, no domingo, 20 de maio. A
convite do diretor do festival,
Gilles Jacob, 35 cineastas [incluindo o brasileiro Walter Salles] fizeram um pequeno filme
de três minutos cada um sobre
o tema "sala de cinema". Estarão todos aqui. Será uma das
mais bonitas sessões de gala.
FOLHA - Por que o norte-americano Martin Scorsese é o convidado de
honra do festival?
FRÉMAUX - Martin Scorsese não
é apenas um dos maiores artistas do cinema hoje. É um dos
maiores da história do cinema.
Mas é também um grande cinéfilo, que conhece a história
do cinema e sabe homenagear
os cineastas do passado. Vem a
Cannes por duas razões: dar
uma aula magna e lançar a
World Cinema Foundation.
Ele defende a idéia de que os
clássicos do cinema norte-americano e europeu estão salvos. Se não todos, quase. Mas o
que é feito dos clássicos do cinema latino-americano, asiático, africano, do leste europeu?
Ele reuniu cineastas do mundo todo para sensibilizar a opinião internacional sobre a necessidade de preservar o cinema mundial. Por isso, Walter
Salles apresentará aqui cópia
restaurada de "Limite", de Mário Peixoto. É uma das melhores idéias dos últimos anos. Eu
me orgulho de que a lance aqui.
(SILVANA ARANTES)
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