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CECILIA GIANNETTI
De pijama com os comunistas
Caminhamos sobre os vidros, sinto as pontas roçando as solas das botas. Ainda bem que não desci de chinelos
ELES USAM Adidas, fumam
Marlboro e marcham pelas
ruas repetindo refrães que
demandam o fim do capitalismo.
Depois da minha segunda passeata
com a juventude comunista berlinense, durante este mês em que vivo
na cidade, não entendo totalmente
seus motivos, mas já posso dizer que
identifiquei alguns paradoxos.
Em Berlim, o Primeiro de Maio,
Dia do Trabalho, é um Carnaval com
duração de 24h. Várias ruas repletas
de barraquinhas de comidas e bebidas tipicamente alemãs, tipicamente turcas, shows de bandas locais (algumas tipicamente chatas) e DJs de
vários países. O 30 de abril deste
ano, por sua vez, foi o começo de
uma série de passeatas que continuam a se multiplicar pela cidade.
Organizadas por grupos diferentes,
seu foco é a crítica ao capitalismo e a
pregação pró-comunista.
A primeira dessas manifestações
este ano teve como ícone Britney
Spears. A cantora aparecia nas filipetas de divulgação do evento e nos
pôsteres no carro de som em sua pose recente mais famosa: careca e em
esgotamento nervoso. Como se,
popstar caída, fosse um símbolo do
próprio esgotamento do sistema capitalista. A segunda passeata me tirou da cama.
Na última quarta-feira, por volta
das onze da noite, começo a ouvir a
multidão passar pela minha rua. Brigo com a preguiça, ponho um casacão por cima da roupa de dormir e
desço para a Reichenbergerstrasse.
Assim que aterrisso no meio da muvuca e do frio, uma menina puxa
meu braço e o prende no dela. Minha companheira de passeata conta
que é assistente social e trabalha auxiliando imigrantes ilegais a encontrarem emprego e cuidados médicos
em Berlim.
De braços dados, fileiras e fileiras
de jovens de preto e tênis e cabelos
coloridos e complicados. Das janelas
e varandas dos prédios surgem bandeiras vermelhas com a estrela ao
meio. Alguns apartamentos colocam caixas de som viradas para a rua
tocando música alta.
Os comunistas de Adidas sabem
que uma manifestação só é válida se
aparecer na mídia. Só aconteceu
mesmo se os jornais e revistas a noticiarem. E só noticiam se houver
enfrentamento entre manifestantes
e polícia. Por isso sempre existe um
ponto ao longo da marcha em que os
cânticos de "anti-kapitalismus" e
"komunismus! komunismus!" são
transformados em bordões que ridicularizam os policiais. Estes nos seguem em fila indiana pelos dois lados das calçadas, por ruas que não
reconheço na escuridão. Carros e
furgões cercam as saídas. A "polizei"
leva alguns manifestantes. Os
flashes dos fotógrafos espocam.
Um policial, da largura de uma pilastra do Brandenburger Tor, decide
pisar cascos de cerveja em resposta
aos que são quebrados pelos manifestantes. Caminhamos por cima
dos vidros, sinto as pontas roçando
as solas das botas. Ainda bem que
não desci de chinelos. A assistente
social solta meu braço para beber
Coca-Cola de uma garrafinha pequena, reedição das antigas garrafas
que circulavam pelo mundo quando
Berlim não tomava refrigerante ocidental. Não compreendo totalmente os novos comunistas.
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