São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

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CECILIA GIANNETTI

De pijama com os comunistas

Caminhamos sobre os vidros, sinto as pontas roçando as solas das botas. Ainda bem que não desci de chinelos

ELES USAM Adidas, fumam Marlboro e marcham pelas ruas repetindo refrães que demandam o fim do capitalismo. Depois da minha segunda passeata com a juventude comunista berlinense, durante este mês em que vivo na cidade, não entendo totalmente seus motivos, mas já posso dizer que identifiquei alguns paradoxos.
Em Berlim, o Primeiro de Maio, Dia do Trabalho, é um Carnaval com duração de 24h. Várias ruas repletas de barraquinhas de comidas e bebidas tipicamente alemãs, tipicamente turcas, shows de bandas locais (algumas tipicamente chatas) e DJs de vários países. O 30 de abril deste ano, por sua vez, foi o começo de uma série de passeatas que continuam a se multiplicar pela cidade. Organizadas por grupos diferentes, seu foco é a crítica ao capitalismo e a pregação pró-comunista.
A primeira dessas manifestações este ano teve como ícone Britney Spears. A cantora aparecia nas filipetas de divulgação do evento e nos pôsteres no carro de som em sua pose recente mais famosa: careca e em esgotamento nervoso. Como se, popstar caída, fosse um símbolo do próprio esgotamento do sistema capitalista. A segunda passeata me tirou da cama.
Na última quarta-feira, por volta das onze da noite, começo a ouvir a multidão passar pela minha rua. Brigo com a preguiça, ponho um casacão por cima da roupa de dormir e desço para a Reichenbergerstrasse. Assim que aterrisso no meio da muvuca e do frio, uma menina puxa meu braço e o prende no dela. Minha companheira de passeata conta que é assistente social e trabalha auxiliando imigrantes ilegais a encontrarem emprego e cuidados médicos em Berlim.
De braços dados, fileiras e fileiras de jovens de preto e tênis e cabelos coloridos e complicados. Das janelas e varandas dos prédios surgem bandeiras vermelhas com a estrela ao meio. Alguns apartamentos colocam caixas de som viradas para a rua tocando música alta.
Os comunistas de Adidas sabem que uma manifestação só é válida se aparecer na mídia. Só aconteceu mesmo se os jornais e revistas a noticiarem. E só noticiam se houver enfrentamento entre manifestantes e polícia. Por isso sempre existe um ponto ao longo da marcha em que os cânticos de "anti-kapitalismus" e "komunismus! komunismus!" são transformados em bordões que ridicularizam os policiais. Estes nos seguem em fila indiana pelos dois lados das calçadas, por ruas que não reconheço na escuridão. Carros e furgões cercam as saídas. A "polizei" leva alguns manifestantes. Os flashes dos fotógrafos espocam.
Um policial, da largura de uma pilastra do Brandenburger Tor, decide pisar cascos de cerveja em resposta aos que são quebrados pelos manifestantes. Caminhamos por cima dos vidros, sinto as pontas roçando as solas das botas. Ainda bem que não desci de chinelos. A assistente social solta meu braço para beber Coca-Cola de uma garrafinha pequena, reedição das antigas garrafas que circulavam pelo mundo quando Berlim não tomava refrigerante ocidental. Não compreendo totalmente os novos comunistas.


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