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Crítica/"A Humilhação"
Novo Roth volta a abordar crueldade do envelhecimento
Em seu 30º romance, escritor conta a paixão de um velho ator por uma lésbica
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA
"A Humilhação", de
Philip Roth, é um livro tão breve, sucinto e sintético, que por vezes
deixa a impressão de se tratar
mais de um conto comprido do
que de um romance.
O livro foi muito mal recebido pela crítica anglo-saxã, que o
achou "esquemático", "inverossímil" e um autopastiche da
melhor literatura de Roth.
Certamente, é um trabalho
menor, se comparado a obras
como "O Teatro de Sabbath".
Mas que enérgico e implacável
pequeno romance!
O protagonista é Simon Axler, o "último dos grandes atores de teatro clássico" dos EUA.
Um belo dia, ele simplesmente
não consegue mais representar: "Ele perdera a magia. O impulso se esgotara".
Axler, que atravessa os 60
anos, passa então por uma série
de derrotas. Sua vida perde o
sentido, até que encontra Pegeen, lésbica 30 anos mais nova, decidida a mudar de orientação sexual.
Apaixonado e com a libido
novamente em marcha, o ator
julga que tudo se renova para si.
Chega a desejar ter um filho.
Em poucas linhas, é esse o
enredo -ora absurdo, ora previsível, ora apenas irônico e
derrisório- do livro, cujos direitos para o cinema foram
comprados por Al Pacino.
O "plot" não é, porém, a melhor coisa de "A Humilhação".
O que ele tem de mais interessante é a sua construção à maneira de um conto moral, a partir de um certo enigma, já colocado naquelas primeiras linhas: "O impulso se esgotara".
Que impulso é esse? Será o
impulso artístico? Será o impulso libidinal, que reaparece
ao velho Axler apenas para uma
despedida ainda mais cruel?
Sim, é tudo isso, e algo mais.
Antes de perder o talento, Axler
perde o seu "eixo" (em inglês,
"axle"): a capacidade de ouvir
as pessoas.
Ouvir o outro, como uma
mulher que contasse a sua história, implicava para Axler
transformá-la em protagonista,
em "heroína" desta peça apaixonante que é a vida -sendo o
teatro, no livro, uma "metáfora" do próprio impulso vital, do
ânimo de se situar na existência
e conseguir amá-la.
É o que Axler tenta fazer com
Pegeen: transformá-la na heroína de uma conversão sexual.
O que ele demora a perceber,
entretanto, é que, envelhecido
e introspectivo, já não tem forças para ser um protagonista do
movimento incessante do
mundo: tornou-se um acabrunhado coadjuvante.
"A Humilhação", 30º livro de
Roth, é um veredicto doloroso
sobre o envelhecimento, na
contracorrente das ideologias
narcisistas de nossa época, que
preferem obliterar a tragédia
do declínio.
Trata-se de um tema recorrente nas obras recentes do autor, ele próprio um ancião de 76
anos. Paradoxalmente, ou talvez graças a esse confronto desiludido com o fim, são obras de
incrível vitalidade literária, que
tornaram Roth o nome mais
importante da literatura americana atual.
A HUMILHAÇÃO
Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (104 págs.)
Avaliação: bom
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