São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

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Crítica/"A Humilhação"

Novo Roth volta a abordar crueldade do envelhecimento

Em seu 30º romance, escritor conta a paixão de um velho ator por uma lésbica

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

"A Humilhação", de Philip Roth, é um livro tão breve, sucinto e sintético, que por vezes deixa a impressão de se tratar mais de um conto comprido do que de um romance.
O livro foi muito mal recebido pela crítica anglo-saxã, que o achou "esquemático", "inverossímil" e um autopastiche da melhor literatura de Roth. Certamente, é um trabalho menor, se comparado a obras como "O Teatro de Sabbath". Mas que enérgico e implacável pequeno romance!
O protagonista é Simon Axler, o "último dos grandes atores de teatro clássico" dos EUA. Um belo dia, ele simplesmente não consegue mais representar: "Ele perdera a magia. O impulso se esgotara".
Axler, que atravessa os 60 anos, passa então por uma série de derrotas. Sua vida perde o sentido, até que encontra Pegeen, lésbica 30 anos mais nova, decidida a mudar de orientação sexual. Apaixonado e com a libido novamente em marcha, o ator julga que tudo se renova para si. Chega a desejar ter um filho.
Em poucas linhas, é esse o enredo -ora absurdo, ora previsível, ora apenas irônico e derrisório- do livro, cujos direitos para o cinema foram comprados por Al Pacino.
O "plot" não é, porém, a melhor coisa de "A Humilhação". O que ele tem de mais interessante é a sua construção à maneira de um conto moral, a partir de um certo enigma, já colocado naquelas primeiras linhas: "O impulso se esgotara". Que impulso é esse? Será o impulso artístico? Será o impulso libidinal, que reaparece ao velho Axler apenas para uma despedida ainda mais cruel? Sim, é tudo isso, e algo mais.
Antes de perder o talento, Axler perde o seu "eixo" (em inglês, "axle"): a capacidade de ouvir as pessoas.
Ouvir o outro, como uma mulher que contasse a sua história, implicava para Axler transformá-la em protagonista, em "heroína" desta peça apaixonante que é a vida -sendo o teatro, no livro, uma "metáfora" do próprio impulso vital, do ânimo de se situar na existência e conseguir amá-la.
É o que Axler tenta fazer com Pegeen: transformá-la na heroína de uma conversão sexual. O que ele demora a perceber, entretanto, é que, envelhecido e introspectivo, já não tem forças para ser um protagonista do movimento incessante do mundo: tornou-se um acabrunhado coadjuvante.
"A Humilhação", 30º livro de Roth, é um veredicto doloroso sobre o envelhecimento, na contracorrente das ideologias narcisistas de nossa época, que preferem obliterar a tragédia do declínio.
Trata-se de um tema recorrente nas obras recentes do autor, ele próprio um ancião de 76 anos. Paradoxalmente, ou talvez graças a esse confronto desiludido com o fim, são obras de incrível vitalidade literária, que tornaram Roth o nome mais importante da literatura americana atual.


A HUMILHAÇÃO

Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32 (104 págs.)
Avaliação: bom




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