São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2006

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Filme estranho, gente esquisita

Divulgação
A diretora e roteirista Miranda July faz Christine, a protagonista de "Eu, Você e Todos Nós"


O premiado "Eu, Você e Todos Nós", que mostra personagens à deriva, estréia hoje

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Partindo do princípio de que é na infelicidade que as pessoas se diferenciam, era de esperar do título "Eu, Você e Todos Nós" um "pot-pourri" de acertos que igualasse seus personagens na sensação de conforto e satisfação com a própria vida. Não há, porém, nem amores nem ideais conquistados neste primeiro e multipremiado filme da cineasta, escritora e artista plástica norte-americana Miranda July, 32. "Eu, Você e Todos Nós", que estréia hoje no Brasil, deu a July a Caméra d'Or no Festival de Cannes em 2005. O prêmio é concedido ao melhor filme de um diretor estreante. O longa havia sido reconhecido também no Festival de Sundance. Além de ser diretora e roteirista do filme, July interpreta o principal papel feminino. Ela é a artista multimídia Christine Jesperson, que idealiza exposições no museu de arte contemporânea da cidade, mas paga suas contas trabalhando como motorista de táxi para idosos. Quando acompanha um de seus clientes a uma sapataria, Christine se apaixona à primeira vista por um vendedor da loja. Richard (John Hawkes) parece corresponder ao entusiasmo de Christine, mas oscila entre atraí-la e afastá-la para sua vida de pai recém-separado. Embora ainda sejam crianças, os filhos de Richard também estão às voltas com dilemas afetivos e sexuais. Aos sete, Robby (Brandon Ratcliff) envolve-se num diálogo escatológico-sensual (se é que isto é possível) pela internet e termina sendo convidado pela "parceira" a trocar o plano virtual por um encontro. Já Peter (Miles Thompson), 14, torna-se uma espécie de piloto de teste de duas adolescentes que buscam descobrir qual delas é capaz de oferecer mais prazer a um homem com a prática do sexo oral. O verdadeiro alvo das garotas é um solteirão roliço que trabalha ao lado de Richard vendendo sapatos e, nas horas vagas, acaricia fantasias de alcova que vão contra a lei. "Há muita tristeza neste filme. No entanto, quando eu escrevia o roteiro, pensava em transmitir essa tristeza com humor, porque, no meu trabalho, tristeza e humor vão sempre juntos", é o que diz July à Folha, de Los Angeles, onde vive e desenvolve trabalhos multimídia, sobre os quais há informações em sua página na rede, www.mirandajuly.com. Leia a seguir mais trechos de sua conversa com a Folha.

 

FOLHA - Em seu filme, crianças e adolescentes têm os mesmos problemas dos adultos. Por quê?
MIRANDA JULY -
Eu me coloco no lugar de uma criança, assim como outros artistas, no sentido de manter o espírito de liberdade e curiosidade, que em geral associamos às crianças. Não separo assuntos e problemas entre os de crianças e os de adultos. Sinto que colocar as minhas dores mais profundas num personagem infantil é tão verossímil quanto num adulto, porque ainda me lembro o quão complexo era [ser criança].

FOLHA - Acredita que ainda seja possível inovar no cinema?
JULY -
É preciso acreditar nisso, embora eu perceba que é muito fácil recorrer a fórmulas no cinema. Sou também escritora e faço performances. Nas outras mídias, é mais fácil partir do zero. No cinema, é duro chegar lá. Há algo a respeito da própria linguagem e de até que ponto ela já nos saturou. Quando você escreve para cinema, tem que se lembrar de que é livre. Nas outras mídias, essa consciência é inerente.

FOLHA - A Caméra d'Or mudou sua vida ou é só um prêmio na estante?
JULY -
É só um prêmio e fez minha vida mudar. Acontece que mudanças são desconfortáveis. Elas têm a ver com adaptações internas, como a de sentir a expectativa dos outros, independentemente de isso ser verdade ou não. Luto comigo mesma.
Não recebi convites para fazer algo que gostaria [a partir do prêmio], mas sabia que seria assim, porque não tenho vontade de dirigir um roteiro de outra pessoa. Quero continuar fazendo minhas próprias coisas. Sei que, para alguns, ganhar esse prêmio pode funcionar. Torna mais fácil conseguir dinheiro, mas muito dinheiro não é o que estou procurando.


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