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Crítica
Artista dá voz a fantasmas de carne e osso
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Um filme independente americano sobre personagens solitários que tentam lidar com
as dificuldades de criar e
manter relacionamentos.
A sinopse do longa de estréia no cinema da artista
plástica e videasta Miranda
July esboça uma ficção simpática, mas não isenta da impressão de "mais do mesmo"
que acompanha essa fatia do
cinema dos EUA desde
quando surgiu como novidade nos anos 80 até hoje, de
Hal Hartley a
Todd Solondz.
"Eu, Você e
Todos Nós" é,
numa primeira
impressão, um
filme "fofo".
Quer dizer, o
equivalente a
nuvens róseas
no céu ou ao algodão-doce,
prazerosos sem
dúvida, mas incapazes de se fixar na memória.
Com uma
narrativa minimalista composta de cenas
que quase não
se conectam e uma estrutura
próxima do filme-coral, em
que circulam personagens
propositadamente sem muita definição, meros esboços
cuja intenção é alcançar uma
poesia do trivial, o trabalho
de Miranda July corria o risco de esbarrar nos limites de
sua graça.
Como tornar essas particularidades interessantes fora das quatro paredes de suas
vidas anônimas? A personagem que a própria July interpreta fornece o fio que lhe
permite escapar do impasse
da "fofura".
Christine é uma artista
que produz performances visuais utilizando cacos
alheios (fotos, cartões-postais) aos quais ela dá uma voz
com que narra diálogos imaginários, relatos de memórias emprestadas. Ao mesmo
tempo, sobrevive oferecendo
serviços de transportes para
pessoas idosas.
É nessa dobra entre o pessoal e o social que a personagem e seu filme ganham consistência.
Através de Christine, ela
faz circular o imaginário e a
realidade, o fantasma subjetivo e a necessidade objetiva.
A presença das crianças e
adolescentes no filme reitera
isso, pois ninguém
mais que eles carrega essa duplicidade entre o mundo quase só de sonhos e a iminência
da vida concreta.
Ao mesmo tempo em que as vidas
particulares guardam suas belezas
escondidas, é a personagem-artista-cineasta que as força a se lançarem fora de seus abrigos,
de seus ninhos de
segurança.
É assim que Miranda July estende
uma ponte de comunicação de seu universo
com o público, ao emprestar
sua narrativa a esses estilhaços de vidas antes condenados ao esquecimento e ao
desconhecimento.
EU, VOCÊ E TODOS NÓS
Direção: Miranda July
Com: Miranda July, John Hawkes,
Miles Thompson
Quando: em cartaz a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco e
Frei Caneca Unibanco Arteplex
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