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crítica
Beto Brant consolida nova fase e cria drama sobre personagens deslocados
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando fez seus primeiros trabalhos, Beto Brant
aparecia como um talento especialmente dotado para os filmes comerciais, em particular os de aventura. Desde
"O Invasor" (2002), no entanto, seu interesse parece se deslocar para outras áreas.
Já "O Invasor", embora preservasse o tom de aventura da
ação, era filmado como uma espécie de antiespetáculo. A tendência se acentuou violentamente em "Crime Delicado" e
parece se consolidar com este
"Cão sem Dono".
No novo filme (co-dirigido
por Renato Sciasca), desloca-se
para Porto Alegre, onde vive o
escritor Ciro (Júlio Andrade).
Isso não importa muito na paisagem, pois pouco vemos a cidade, embora importe em termos de sotaque, de maneira de
falar. Existe um estar no mundo sulista um tanto particular,
pois não se ressente de provincianismo, nem desse tipo de
sentimento metropolitano
paulistano (que acredita ser sua
cidade o centro do mundo).
Trata-se de um deslocamento, sem dúvida, já que isso é o
que parece definir Ciro no roteiro de Marçal Aquino. Sua casa é o não-lugar, onde sobrevive
um sujeito que fala muitas línguas, mas não tem trabalho. E
talvez não valha a pena ter.
Ciro tem uma família, com a
qual se dá bem, mas não vive
com ela. E é compreensível,
pois quando escuta o pai falar,
parece ouvir falar de épocas
distantes, em que aconteciam
coisas, em que o mundo existia.
O mundo de Ciro é o fim do
mundo. Ou seria, não fosse o
surgimento quase mágico de
Marcela (a bela e insuficiente
Tainá Müller), significando vida e desejo, neste mundo terminal em que habita o escritor
-um mundo de inexistência,
de existência impossível. Marcela trará vida e morte a Ciro
-em suma, drama.
É com esse drama que estaremos às voltas ao longo do filme,
mas também com o drama do
próprio cinema. Pois a produção modesta, precária em alguns aspectos, não nos deixa
esquecer de que estamos diante de um drama de cinema.
Se em determinados momentos de sua carreira Brant
abraçou o ideal clássico da representação "transparente",
"invisível", esse momento vai
sendo deixado decididamente
para trás: assim como a vida de
Ciro não pode se parecer com a
dos escritores americanos, o filme brasileiro também é fadado
a um destino outro.
Assim como o cão do enredo,
o filme deve sofrer de solidão,
de vazio (das salas), de incerteza (dos lançamentos), do desamor do público. Eles é que plasmam sua forma. Inútil brincar
de Hollywood. Por outro lado,
essa forma faz e fará sentido,
deve existir, queira ou não a indústria cultural, pois seu território é o do deslocamento, da
arte -não da indústria.
CÃO SEM DONO
Direção: Beto Brant
Produção: Brasil, 2007
Com: Júlio Andrade, Tainá Müller
Quando: estréia hoje no Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex e Sala UOL
Avaliação: bom
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