São Paulo, sexta-feira, 15 de junho de 2007

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crítica

Beto Brant consolida nova fase e cria drama sobre personagens deslocados

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando fez seus primeiros trabalhos, Beto Brant aparecia como um talento especialmente dotado para os filmes comerciais, em particular os de aventura. Desde "O Invasor" (2002), no entanto, seu interesse parece se deslocar para outras áreas.
Já "O Invasor", embora preservasse o tom de aventura da ação, era filmado como uma espécie de antiespetáculo. A tendência se acentuou violentamente em "Crime Delicado" e parece se consolidar com este "Cão sem Dono".
No novo filme (co-dirigido por Renato Sciasca), desloca-se para Porto Alegre, onde vive o escritor Ciro (Júlio Andrade).
Isso não importa muito na paisagem, pois pouco vemos a cidade, embora importe em termos de sotaque, de maneira de falar. Existe um estar no mundo sulista um tanto particular, pois não se ressente de provincianismo, nem desse tipo de sentimento metropolitano paulistano (que acredita ser sua cidade o centro do mundo).
Trata-se de um deslocamento, sem dúvida, já que isso é o que parece definir Ciro no roteiro de Marçal Aquino. Sua casa é o não-lugar, onde sobrevive um sujeito que fala muitas línguas, mas não tem trabalho. E talvez não valha a pena ter. Ciro tem uma família, com a qual se dá bem, mas não vive com ela. E é compreensível, pois quando escuta o pai falar, parece ouvir falar de épocas distantes, em que aconteciam coisas, em que o mundo existia.
O mundo de Ciro é o fim do mundo. Ou seria, não fosse o surgimento quase mágico de Marcela (a bela e insuficiente Tainá Müller), significando vida e desejo, neste mundo terminal em que habita o escritor -um mundo de inexistência, de existência impossível. Marcela trará vida e morte a Ciro -em suma, drama.
É com esse drama que estaremos às voltas ao longo do filme, mas também com o drama do próprio cinema. Pois a produção modesta, precária em alguns aspectos, não nos deixa esquecer de que estamos diante de um drama de cinema. Se em determinados momentos de sua carreira Brant abraçou o ideal clássico da representação "transparente", "invisível", esse momento vai sendo deixado decididamente para trás: assim como a vida de Ciro não pode se parecer com a dos escritores americanos, o filme brasileiro também é fadado a um destino outro.
Assim como o cão do enredo, o filme deve sofrer de solidão, de vazio (das salas), de incerteza (dos lançamentos), do desamor do público. Eles é que plasmam sua forma. Inútil brincar de Hollywood. Por outro lado, essa forma faz e fará sentido, deve existir, queira ou não a indústria cultural, pois seu território é o do deslocamento, da arte -não da indústria.


CÃO SEM DONO
Direção:
Beto Brant
Produção: Brasil, 2007
Com: Júlio Andrade, Tainá Müller
Quando: estréia hoje no Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex e Sala UOL
Avaliação: bom


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