São Paulo, sexta-feira, 15 de junho de 2007

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Cinema/estréias

Crítica/"Depois do Casamento"

Drama multicultural evita facilidades

Longa é eficiente cartão de visitas para as tramas de fundo emocional da dinamarquesa Susanne Bier, vinda do Dogma 95

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

A ciranda dos amores de "Corações Livres" (2002) e as diferenças entre os irmãos adultos de "Brothers" (2004) já haviam manifestado a predileção da dinamarquesa Susanne Bier pelas chaves dramáticas do melodrama, bem como a habilidade para conduzi-las de acordo com os procedimentos de câmera e montagem comuns aos filmes do Dogma 95 (do qual "Corações" era legítimo representante). O Dogma 95 foi uma proposta de realização de filmes com base na economia de meios (câmera na mão, iluminação natural etc).
Não causa surpresa que o próximo projeto de Bier, "Things We Lost in the Fire", sobre uma viúva que convida o melhor amigo do marido a viver com ela e os filhos do morto, seja uma produção da DreamWorks com elenco de ponta (Halle Berry, Benicio Del Toro e David Duchovny): ela conhece as regras de dramaturgia dominantes na indústria norte-americana e tende a se dar melhor ali do que o conterrâneo Thomas Vinterberg (cujo êxito em "Festa de Família", que inaugurou o Dogma 95, abriu as portas nos EUA para o fracasso de "Dogma do Amor").
Indicado ao Oscar 2007 de melhor filme estrangeiro, "Depois do Casamento" funciona como um eficiente cartão de visitas para as engenhosas tramas de fundo emocional costuradas por Bier e por seu habitual co-roteirista, Anders Thomas Jensen (que escreveu também, no âmbito do Dogma 95, "Mifune" e "O Rei Está Vivo", além de assinar o roteiro de "Meu Irmão Quer se Matar" e a direção de "Adam 's Apples").
O pano de fundo é multicultural: começamos pela Índia, onde um dinamarquês (Mads Mikkelsen, de "Corações Livres", "Meu Irmão Quer se Matar" e "Cassino Royale") trabalha como voluntário em uma ONG para crianças, e logo vislumbramos que sua trajetória vai em breve se encontrar em Copenhague com a de um empresário (Rolf Lassgard) disposto a financiar alguns de seus projetos socioeducativos.
Alguns dos contrastes que alimentam o filme já estão apresentados desde então: a pobreza do Terceiro Mundo. A dedicação de um homem abnegado em relação ao egocentrismo de um capitalista selvagem que parece interessado em apaziguar sua consciência burguesa com alguns trocados para crianças famélicas. E os espaços amplos de Copenhague em relação aos apertados cortiços de Bombaim.
A filha mais velha do empresário, no entanto, vai se casar no dia seguinte à primeira reunião entre os dois -e, a partir do que ocorre ali, tudo será bem diferente. E o que ocorre? Uma torrente de revelações e de surpresas que faz "Depois do Casamento" parecer, muitas vezes, uma telenovela latino-americana dublada em dinamarquês.
Longe de se constranger com o formato, Bier o explora com domínio, sobretudo, do jogo entre os atores. E, no fim, consegue evitar a solução fácil e demagógica que se insinuava para o dilema insolúvel entre os ricos e os pobres do planeta.


DEPOIS DO CASAMENTO
Direção:
Susanne Bier
Produção: Dinamarca/Suécia, 2006
Com: Mads Mikkelsen, Rolf Lassgard
Quando: em cartaz nos cines Bombril, Reserva Cultura e circuito
Avaliação: bom


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