São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 2000


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ARQUITETURA
Técnicos questionam construção do aeroporto de Osaka
Projeto de Renzo Piano afunda no Japão

LOLA GALÁN
DO "EL PAÍS"

Um dos projetos arquitetônicos mais revolucionários do mundo está naufragando. Técnicos japoneses dizem que a ilha artificial onde está localizado o aeroporto de Osaka está afundando. O arquiteto italiano Renzo Piano, responsável pelo projeto, se defende.
A imprensa japonesa lançou o alarme: o aeroporto de Osaka, jóia da arquitetura moderna, inaugurado em 1994, está ameaçado. O terreno sobre o qual ele se assenta, uma ilha artificial criada especialmente para sustentá-lo, desceu 11 metros desde que a obra foi iniciada, em 1990. A denúncia foi feita por técnicos de uma das empresas que participaram do projeto.
"A plataforma não é obra minha", disse Renzo Piano, que também é o co-autor do centro Georges Pompidou, em Paris. O arquiteto garante que o afundamento é fruto de um simples "assentamento do terreno". Os responsáveis pelo aeroporto Kansai anunciaram um plano de reforço das estruturas para evitar riscos.
O aeroporto de Osaka, cujas obras custaram o equivalente a cerca de R$ 25 bilhões, foi manchete das principais publicações japonesas desde julho. Polêmicas sobre a estabilidade da obra remontam praticamente à sua inauguração, em 1994.
Não é frequente que uma obra pioneira como a do aeroporto japonês se veja em dificuldades tão graves: nada menos que um afundamento de 11 metros nas águas da baía da cidade.
Renzo Piano julga haver um exagero por parte da imprensa japonesa. "Quando as obras do aeroporto, a parte do projeto Kansai que é de minha autoria, foram iniciadas, em 1990, a ilha já estava construída e o terreno já havia descido dez metros", declarou o arquiteto ao diário italiano "La Reppublica".
Concluída a obra, comprovou-se que o terreno havia baixado outros 25 ou 30 centímetros, segundo o arquiteto. Com tudo isso, de 1994 para cá a ilha afundou 70 centímetros, e não 11 metros. Ainda assim a imprensa japonesa parece dispor de dados inquietantes.
O semanário "Shukan Bunshun", um dos mais vendidos do Japão, diz que há rachaduras em vários edifícios construídos na ilha e que elas põem em risco instalações elétricas e causam pressão maior que a projetada sobre depósitos de combustível.
O problema, segundo denunciaram técnicos que pediram anonimato, é que a base da ilha artificial não seria tão sólida quanto se alega oficialmente.
Em lugar de pedras das colinas de Osaka, o assentamento foi feito com areia, à qual foi acrescentada uma camada final de pedras. A ilha se sustenta sobre 1 milhão de pilares de 70 metros de altura que atravessam a camada de rochas e se fixam no fundo do mar. A segurança estaria em risco caso fosse descoberto que areia -e não pedra- foi o material utilizado. Os técnicos acusam a máfia japonesa, a Yakuza, de estar envolvida na venda de material de construção. Os mesmos técnicos suspeitam que a muralha que reforça o perímetro da ilha Kansai tenha sido feita com barro.
O Poder Judiciário japonês abriu investigação para decidir se aconteceram irregularidades. A Kansai International Airport SL, empresa que administra o aeroporto, anunciou a aprovação de um plano de reforço das estruturas de suas instalações, que custará o equivalente a R$ 294 milhões -soma que ainda precisa ser adicionada aos prejuízos de mais de R$ 390 milhões acumulados nos seis anos de funcionamento.
Renzo Piano diz ser responsável só pelas instalações aeroportuárias, nas quais, garante, "não houve rachadura; pelo contrário, no terremoto de cinco anos atrás, nenhum vidro se partiu".
Na Itália, Leonardo Benevolo, urbanista e professor de arquitetura, reprovou a tentativa de Piano de se dissociar do problema, em entrevista ao "Corriere della Sera". A tese de Benevolo é de que o arquiteto deve comprovar também a qualidade da estrutura sobre a qual constrói sua obra. Piano diz que, quando visitou a ilha na última fase de sua construção, considerou "o trabalho rigidamente controlado".
A falta de terrenos transformou o Japão no mercado residencial mais caro do mundo e levou autoridades a apostar em uma obra inteiramente pioneira para acomodar o novo aeroporto de Osaka, no fim dos anos 80.
Na falta de terrenos, construíram, sob uma plataforma que emerge das águas da baía da cidade, uma ilha artificial, que passou a integrar a geografia japonesa. O projeto da ilha Kansai tinha como único objetivo sediar o aeroporto.
O desafio de instalar uma plataforma aeroportuária sobre o mar, que tem 70 metros de profundidade na área, foi superado com dispendiosa intervenção. Sobre o fundo do mar, toneladas de pedregulhos vindos das montanhas que cercam Osaka foram assentados, formando um monte de 30 metros, enquanto a plataforma era construída sobre pilastras que atravessavam esse leito de pedra e afundavam no fundo do mar.
A adulteração de materiais de construção tem precedentes no Japão, onde o terremoto de cinco anos atrás comprovou que certas estradas destruídas pelo tremor não tinham sido construídas com materiais apropriados.


Tradução de Paulo Migliacci

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