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Paulo Autran reencontra Molière
Prestes a completar 84 anos, ator escolhe "O Avarento", 90ª peça da carreira e quarta do comediógrafo que interpreta
Dirigido pela primeira vez por Felipe Hirsch, ele sobe ao palco do Cultura Artística; cenário recria ambiente teatral do século 17
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
"É uma peça para ressaltar as
máscaras dos atores, a expressão facial", adianta Daniela
Thomas. No gigantesco palco
do teatro Cultura Artística
(1.156 lugares), em São Paulo,
ela deslocou a cenografia praticamente para o proscênio, onde o público verá um Paulo Autran maquiado como as últimas
gerações nunca viram.
Também o recurso da ribalta
(fileira de refletores, antigamente velas, ao nível do palco,
na dianteira), como nos tempos
de Molière, no século 17, conforme releitura do diretor Felipe Hirsch, reforça ainda mais a
dramaticidade de Harpagon, o
protagonista de "O Avarento".
"Ele é tão fanático por dinheiro que fica muito engraçado. Pessoalmente, ele sofre muito, o tempo inteiro, mas o
sofrimento dele é cômico", afirma Autran, 84 anos no próximo
dia 7 de setembro.
Dos mais clássicos intérpretes brasileiros (estreou profissionalmente no Teatro Brasileiro de Comédia em 1949), ele
andava com saudade dos autores clássicos.
Pela quarta vez na carreira,
recorre ao comediógrafo francês Jean-Baptiste Poquelin, o
Molière (1622-1673), de quem
já levou ao palco "O Burguês Fidalgo", nos anos 60; "As Sabichonas", nos anos 60; e "Tartufo", nos anos 80.
Metido em ceroulas impagáveis, sem a peruca molièresca
sugerida pelo material publicitário da peça, Autran desponta
em cena numa tarde de ensaio
com a altivez de quem está
diante do fotógrafo alemão
Fredi Kleemann (1927-1974),
dos tempos de TBC. Foi com
ele que, como muitos colegas,
aprendeu a congelar a expressão do olhar e do gesto, como o
fez diante do repórter-fotográfico da Folha.
Paulo Autran anuncia "O
Avarento" como a 90ª peça em
57 anos de carreira, descontados os dois primeiros anos da
fase amadora. Convidou
Hirsch a dirigi-lo pela primeira
vez. O diretor da Sutil Companhia de Teatro tem 34 anos,
quase 50 a menos. Autran gosta
de trabalhar com jovens criadores, a exemplo de Eduardo
Tolentino de Araújo, do grupo
Tapa, e Paulo de Moraes, da Armazém Cia. de Teatro.
Reconhece assim tangenciar
o risco. "Às vezes, o diretor
muito moço, fascinado pela sua
própria autoridade, capacidade, inventa coisas que só prejudicam o andamento do espetáculo", afirma o ator. Normalmente, é ele quem adapta os
textos, mas delegou a atual tarefa ao próprio Hirsch.
"A melhor comédia é aquela
a que você assiste com uma lágrima no olho", dizia o teatrólogo britânico Bernard Shaw.
Hirsch lança mão da frase para
apontar as entrelinhas que deseja vislumbrar no texto sobre
a triste figura de Harpagon.
O diretor e Daniela Thomas,
falam em "poesia da exaustão",
conceito que nasceu na primeira onda de ataques do PCC em
São Paulo, em maio.
"É exaustivo eternizar poesia
num mundo, num país, numa
cidade sitiados", diz Hirsch. "É
como se Autran e uma trupe de
atores atraíssem o público para
um bunker, o teatro."
No cenário, ergue-se uma parede com caixas de papelão das
quais os atores saem no início
do espetáculo, como se encaixotados. Aos poucos, parte da
estrutura vai-se desmontando
e deixa vazar pelas frestas e "janelas" um fundo com telão de
época a representar um céu
azul entre nuvens.
Moedas
Além do "bunker", a cenografia guarda relação com a caixa
de moedas que o obsessivo
Harpagon enterra em seu jardim, alvo de muitos qüiproquós. Idem para os imóveis envolvidos em plásticos, de modo
que durem o máximo. No apego
a bens materiais e ao dinheiro,
o ordinário arranha a relação
com os filhos, empregados e todos os que o rodeiam.
Elisa e Cleanto têm que driblá-lo o tempo todo para conquistar seus amores e não contrariar o pai, sempre de olho
nos dotes dos interessados na
prole. Acrescente-se uma alcoviteira, um agiota e um criado e,
pronto, eis a comédia à la Molière. "Num certo sentido, Harpagon se parece muito com alguns políticos que a gente conhece", diz Autran.
Ele atua ao lado da sua mulher na vida como ela é, Karin
Rodrigues, no papel da alcoviteira Frosina ("As pessoas como eu têm apenas, como rendimento, a intriga e a astúcia", diz
a personagem); e do amigo
Elias Andreato, que o dirigiu
em "Visitando o Sr. Green"
(2000) e "Adivinhe Quem Vem
para Rezar" (2005), na pele do
criado Flecha.
Também estão em cena Gustavo Machado e Cláudia Missura, nos papéis de filhos, e Luciano Schwab, Tadeu Di Pyetro e
Arieta Corrêa, atriz que deixa o
CPT de Antunes Filho após seis
anos.
"Todo mundo começou pelo
mesmo tipo de paixão, só que
em épocas diferentes. Se a gente aciona essa paixão, todos os
traumas, limites, dúvidas tendem a diminuir", diz Hirsch. "É
aí que a linguagem do Paulo se
encontra com a do Felipe. Quero ficar próximo do amor que o
Paulo tem pelo teatro."
O AVARENTO
Quando: pré-estréia beneficente qui.,
às 21h; estréia sáb., às 21h; de qui. a
sáb., às 21h, e dom., às 18h
Onde: teatro Cultura Artística - sala
Esther Mesquita (r. Nestor Pestana,
196, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quanto: de R$ 30 a R$ 80
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