São Paulo, sábado, 15 de agosto de 2009

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"Nunca faria isso de novo, coloquei os alunos em perigo"

Professor americano que simulou um regime nazista na sala de aula fala à Folha sobre as consequências da lição

"A Onda", filme que estreia na próxima sexta no Brasil, transfere para a Alemanha o experimento que quase acabou em tragédia nos EUA

Divulgação
O ator Jürgen Vogel interpreta Rainer Wenger, a versão fictícia
e alemã do americano Ron Jones


CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL

Seria possível um regime como o nazista emergir hoje, no Brasil ou em qualquer outro país democrático?
Para provar que sim, um jovem professor americano usou como cobaia um grupo de adolescentes, em um experimento que quase acabou em tragédia, nos anos 60 -e é repetido no filme "A Onda", que estreia na próxima sexta e transporta o projeto para a Alemanha atual.
O original aconteceu em Palo Alto, Califórnia, 1967. Em uma aula de história, um estudante questionou a responsabilidade do povo alemão pelas ações do Terceiro Reich. O professor fez uma pequena simulação para que os estudantes entendessem o que é ter que seguir as instruções de um líder.
No início, ensinou postura, respiração correta, respeito. No dia seguinte, somou-se à disciplina a noção de grupo.
O mestre deu à classe um nome -A Terceira Onda. Mais tarde, um slogan, uma saudação, um cartão de "sócio" e até uma "polícia" de estudantes para vigiar as ações uns dos outros. Chegou a fazê-los acreditar que A Onda extrapolava a sala de aula, era um movimento que iria dominar o país.
"Para mim, como professor, era muito gratificante ver a maior parte dos alunos se envolvendo, tomando as rédeas. Eles saíam para entregar panfletos, agregar nomes. E aí isso explodiu", conta Ron Jones, 68, à Folha, por telefone.
Em cinco dias, o número de membros na classe dobrou -de 25 para 50. Fora de lá, o movimento chegou a reunir mais de 300 adolescentes, segundo Jones, e a silenciar vozes dissidentes, à força.
"Uma criança perdeu a mão construindo explosivos. Era uma criança perdida, perigosa." Foi aí que o professor percebeu que havia ido longe demais. Para decepção geral, fez um discurso no qual revelou a farsa e apelou por bom senso.

O filme
Quarenta anos depois, Ron Jones cedeu os direitos de sua história, que já havia virado livro e média-metragem para TV (1981), a Dennis Gansel, 35. Muitos quiseram fazer a adaptação para cinema antes, diz Jones. A diferença é que Gansel prometeu transportar a história para a Alemanha atual.
Foi o que fez. Diante de alunos que não aguentam mais ouvir falar de Hitler, o professor de "A Onda", interpretado pelo carismático Jürgen Vogel, retoma o projeto com fidelidade.
Pequenas alterações atualizaram o conto. Além dos panfletos, o grupo agora tem uma página no MySpace. O professor, que vivia em "uma casa na árvore e fumava maconha", mora em um barco e é fã dos Ramones. O desfecho da história, ainda mais violento que o original, também foi uma tentativa de acompanhar os novos tempos, diz o diretor, neto de um soldado de Hitler e filho de militantes de esquerda.
Para Ron Jones, "o filme é muito fiel, capturou a dinâmica da sala, a relação dele com a mulher, que passa por uma crise [o casamento dura até hoje, diga-se], e a maneira como os estudantes interagiam". "[A Terceira Onda] Era algo que se expandia muito rapidamente. Era como estar em meio a uma explosão de energia."
Dois anos depois da "explosão", o americano foi demitido e proibido de lecionar em escolas públicas. Hoje, ensina poesia a deficientes mentais, escreve e ministra palestras.
"Nunca faria isso de novo. Coloquei os alunos em perigo. Esse tipo de experimento é útil para mostrar quão facilmente nos tornamos vítimas desse tipo de coisa."


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