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Livros - Entrevista exclusiva - Philip Roth
Bush "é, sem dúvida, o pior presidente que já tivemos"
Bob Peterson/Time Life Pictures
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Manifestação em frente à Casa Branca, contra a Guerra do Iraque |
"Isso que temos agora é um desastre", diz Philip Roth; sobre
a próxima eleição presidencial, escritor afirma que os democratas são muito mais preferíveis do que os republicanos
PHILIP ROTH, um dos maiores
escritores norte-americanos
vivos, diz que que George W.
Bush "não tem capacidade
para dirigir nem um armazém de secos
e molhados" e que a agenda do Partido
Republicano é "combater os anos 60".
Estamos em setembro de 2000, no escritório de seu agente, em Manhattan.
Seu livro "Casei com um Comunista"
acaba de ser lançado no Brasil. O autor
está animado: acha que Al Gore ganhará
as eleições do final do ano.
Corte.
Roth, agora aos 74 anos, reencontra o
repórter no mesmo local para falar de
"Homem Comum", que sai no Brasil.
Com voz mais fraca e aspecto mais cansado, está desanimado. Diz estar "perplexo com realidade à vista". Volta a
atacar Bush e repete, sobre a velhice, o
que escreveu no livro: "É um massacre".
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK
Leia a seguir a entrevista que
o escritor norte-americano
Philip Roth concedeu à Folha,
na semana passada, em encontro no escritório de seu agente,
no centro de Manhattan, Nova
York.
FOLHA - A última vez que nós conversamos, quando "Casei com um
Comunista" estava sendo lançado
no Brasil, foi há sete anos, em setembro de 2000. Falamos sobre a
disputa dos candidatos George W.
Bush e Al Gore, o sr. disse como os
republicanos estavam tentando
apagar os anos 60 do mapa e que Al
Gore seria eleito.
PHILIP ROTH - [Risos] Éramos
dois sujeitos espertos!
FOLHA - O sr. disse também que
Bush não teria capacidade para dirigir nem um armazém de secos e molhados, quanto mais comandar um
país. O que o sr. diz, sete anos depois?
ROTH - [Resignado] Eu estava
errado. É trágico. Eu estava tragicamente errado...
FOLHA - O pior, segundo sua previsão, aconteceu: o homem que não
"tinha capacidade para dirigir um
armazém" está no final de seu segundo mandato. Qual sua opinião
hoje?
ROTH - Bem, a primeira eleição
foi um roubo. Ele nunca foi
realmente legitimado como
presidente, é o que me parece,
para o primeiro mandato. No
segundo mandato, o país o queria. Eles o escolheram... E ele é,
sem dúvida, o pior presidente
que nós já tivemos. O pior. Pior
do que o pior. E a Guerra do Iraque é a principal prova disso.
Essa guerra selvagem, cara,
brutal e desnecessária.
FOLHA - E sobre a tentativa de apagar os anos 60 da história americana, o sr. acha que eles foram bem-sucedidos?
ROTH - Bem... Tem havido uma
dessecularização da esfera pública, e os anos 60 eram a secularização, entre outras coisas.
Hoje em dia já não sei mais se
eles estavam mesmo mirando
os anos 60. O que Bush fez foi
indicar dois juízes para a Suprema Corte que farão tudo o
que puder para tornar o aborto
ilegal, por exemplo. Então,
pensando bem, sim, via guerra
e pela nova formação da Suprema, eles tiveram um tremendo
impacto em nossas vidas.
FOLHA - Bem, já que o sr. fez previsões tão acertadas há sete anos nesse campo, deixe-me perguntar de
novo: quem o sr. acha que será eleito em 2008?
ROTH - Sim, vá adiante, me dê
uma nova chance para eu fazer
papel de bobo. [Risos] Não tenho a menor idéia. Não tenho
idéia de quem será o candidato
democrata e não tenho idéia de
quem vai ganhar as eleições.
FOLHA - O sr. não acha que a senadora e ex-primeira-dama Hillary
Clinton é uma boa aposta, do lado
democrata?
ROTH - [Agora cauteloso] Eu
simplesmente não sei...
FOLHA - Ok, deixe-me dizer dessa
maneira: se as eleições fossem hoje
e ela fosse eleita, o que aconteceria
segundo as pesquisas de intenção
de voto atuais, o sr. acha que mudaria algo ou seria apenas o final de
um clichê, a primeira mulher na presidência?
ROTH - Não, não, não, acho que
haveria uma mudança. Isso que
temos agora é um desastre.
Com os democratas vencendo,
teremos de volta a política como sempre. Isso aqui agora é
um desastre. Os democratas
são muito mais preferíveis do
que os republicanos. Vamos falar de literatura?
FOLHA - Vamos. Há sete anos, o sr.
reclamou que seus amigos estavam
morrendo...
ROTH - [Gargalha] Pois isso
não parou de acontecer!
FOLHA - Daí o livro ["Homem Comum" começa com um enterro e o
tema principal e doença e morte]?
ROTH - Sim, em grande parte.
Foi publicado aqui em 2005.
Bem, sim, eu tenho ido a muitos funerais e tenho perdido
muitos amigos e eu comecei a
escrever esse livro no dia seguinte ao funeral de Saul Bellow [escritor, 1915-2005]. O livro não trata de Saul, mas minha cabeça estava profundamente tomada pela inevitabilidade de que todo o mundo que
eu conhecia e conheço vai morrer. Então, sim, escrevi como
resposta à morte de meu amigo.
FOLHA - O livro começa com a descrição de um funeral. É parecido com
o de Bellow?
ROTH - Não. Nada.
FOLHA - É parecido com o que imagina que será o seu?
ROTH - O meu próprio? Não...
Era apenas um funeral padrão,
era apenas uma maneira de introduzir a vida do homem, sua
família, as pessoas que o amavam e o conheciam. Eu gostei
de começar com o fim e então
partir dali.
FOLHA - O papel das mulheres no
livro é muito forte. Como o sr. acha
que as mulheres reagirão em seu
próprio funeral?
ROTH - Nunca pensei nisso...
Fui muito próximo de algumas
mulheres. Algumas delas chorarão, outras não.
FOLHA - Por que "Everyman" [o título original]? Por que o empréstimo de uma peça inglesa do século
15?
ROTH - O "Everyman" original
é um conto de moralidade, é
uma alegoria cristã sobre a
morte. Não sou cristão, não suporto alegorias, então só peguei
o título emprestado e fiz a minha própria peça sobre a morte.
Só que a versão secular.
FOLHA - Por que o personagem
principal não tem nome?
ROTH - Ele não tem um nome
porque originalmente eu não
lhe dei um. E, quando eu estava
trabalhando na segunda versão, percebi isso e pensei: "Não
lhe dê um nome. Deixe ele ser
conhecido por seus relacionamentos, como pai, marido, irmão, filho, amante, deixe ele viver por esses relacionamentos
e tirar sua identidade por eles".
Que é como nós formamos nossa identidade, por aqueles que
nos conhecem como realmente
somos.
FOLHA - O sr. pensa muito em sua
própria morte, no momento em que
"não será mais", como escreve no livro?
ROTH - Bem, depois de uma
certa idade, é difícil não pensar
mais na morte de maneira mais
freqüente do que antes. Aos 60,
você começa a pensar freqüentemente e, aos 70, a coisa fica
realmente séria. Você olha
adiante e vê que não tem mais
tanto tempo. E esse é um sentimento muito perturbador.
FOLHA - Mas o sr. não tem medo de
morrer?
ROTH - Não tenho? Você que
está dizendo isso. Eu estou perplexo pela realidade à vista.
FOLHA - Numa das passagens mais
marcantes do livro, o sr. escreve: "A
velhice não é uma batalha, é um
massacre".
ROTH - Você não concorda? Vá
a um hospital e dê uma olhada
ao redor... [Fica em silêncio]
FOLHA - Eu o deprimo com toda essa conversa?
ROTH - Ah, não, é preciso muito mais do que isso para me deprimir.
FOLHA - O sr. releu esse livro para
nosso encontro, como fez da outra
vez com "Casei com um Comunista"?
ROTH - Não. Eu não releio
meus livros, em geral
FOLHA - O que o sr. lê?
ROTH - Nos últimos anos eu tenho mais relido do que lido. Na
maioria autores que eu li quando tinha 20 anos e não li desde
então. Grandes escritores. O
mais recente é Joseph Conrad
[escritor britânico de origem
polonesa, 1857-1924].
Na semana passada reli "Under Western Eyes" (1911), antes
disso eu li uma biografia sobre
ele, antes disso quatro contos,
antes disso "The Nigger of the
Narcissus" (1897), ótimo, ótimo, que grande livro. Há alguns
meses eu estava relendo Ivan
Turguêniev [escritor russo,
1818-1883]. Fiz isso por dois
meses. É isso que eu tenho feito
nos últimos dois anos.
FOLHA - Podemos esperar alguma
influência dos dois no próximo livro?
ROTH - Duvido. Sou ininfluenciável [Risos]. Só estou fazendo
isso porque, em primeiro lugar,
esses livros são maravilhosos,
segundo porque eu não me
lembrava deles: é muito boa a
sensação de estar lendo pela
primeira vez algo que você já
sabe que é bom.
FOLHA - O sr. citou a biografia de
Conrad. Em "Homem Comum", seu
personagem diz que, se um dia fosse
escrever a biografia dele, o título
que daria seria "A Vida e a Morte de
um Corpo Masculino". É o título que
o sr. daria para a sua?
ROTH - Não, não. Não tenho
nenhuma vontade de escrever
uma biografia, de jeito nenhum. Deus me livre. Eu tenho
um biógrafo oficial, com o qual
me encontro muito raramente,
mas a coisa fica nisso.
FOLHA - Há algum assunto tabu
nesses encontros?
ROTH - Não, até agora não.
FOLHA - O ataque do 11 de Setembro aparece brevemente em "Homem Comum" e um pouco mais em
"Exit Ghost", seu livro mais recente.
Quanto o evento o afetou?
ROTH - Como autor? Nada. Como pessoa? Fiquei com raiva,
sem fôlego, achei uma tragédia.
Mas o pior de tudo foi o uso do
ataque pelo governo de Bush,
para justificar uma guerra desnecessária.
Se o 11 de Setembro tivesse
acontecido, mas não a Guerra
do Iraque, as coisas seriam
muito diferente, o ataque teria
apenas o significado que realmente teve.
Mas foi cinicamente explorado para justificar a guerra. Muito mudou, é claro, os americanos não se sentem mais tão
confiantes quanto antes e o governo George W. Bush formou
sua agenda em torno das conseqüências do ataque. Mas tudo
poderia ter sido muito diferente...
FOLHA - Há alguns livros seus sendo adaptados para o cinema hoje. O
sr. se interessa por isso?
ROTH - Gostaria que fossem
boas, mas não tenho nenhum
controle. "Dying Animal" terá
Penélope Cruz e Beng Kingsley. "American Pastoral" também.
"Deception" está sendo
adaptado por um diretor francês. Mas geralmente esse pessoal de cinema fica muito interessado em meus livros e depois desaparece.
FOLHA - O sr. vê os filmes? Liga para isso? Viu, por exemplo, "The Human Stain", com Anthony Hopkins
e Nicole Kidman?
ROTH - Horrível. Vamos ficar
nessa palavra: horrível
FOLHA - Da última vez que nos encontramos o sr. mencionou que leu
Machado de Assis. O sr. nunca esteve no Brasil, apesar de ter sido convidado algumas vezes. Pretende ir?
ROTH - Eu não me lembro de
ter sido convidado, talvez eu tenha sido.
Mas já viajei muito quando
tinha 40, 50 no começo de
meus 60. Agora me cansei.
FOLHA - O sr. pode me dizer algo
sobre seu próximo livro?
ROTH - Não. Nada.
FOLHA - Então é isso.
ROTH - Ok, temos um encontro
marcado para 2014.
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