São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007

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Livros - Entrevista exclusiva - Philip Roth

Bush "é, sem dúvida, o pior presidente que já tivemos"

Bob Peterson/Time Life Pictures
Manifestação em frente à Casa Branca, contra a Guerra do Iraque


"Isso que temos agora é um desastre", diz Philip Roth; sobre a próxima eleição presidencial, escritor afirma que os democratas são muito mais preferíveis do que os republicanos

PHILIP ROTH, um dos maiores escritores norte-americanos vivos, diz que que George W. Bush "não tem capacidade para dirigir nem um armazém de secos e molhados" e que a agenda do Partido Republicano é "combater os anos 60". Estamos em setembro de 2000, no escritório de seu agente, em Manhattan. Seu livro "Casei com um Comunista" acaba de ser lançado no Brasil. O autor está animado: acha que Al Gore ganhará as eleições do final do ano.
Corte.
Roth, agora aos 74 anos, reencontra o repórter no mesmo local para falar de "Homem Comum", que sai no Brasil. Com voz mais fraca e aspecto mais cansado, está desanimado. Diz estar "perplexo com realidade à vista". Volta a atacar Bush e repete, sobre a velhice, o que escreveu no livro: "É um massacre".

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Leia a seguir a entrevista que o escritor norte-americano Philip Roth concedeu à Folha, na semana passada, em encontro no escritório de seu agente, no centro de Manhattan, Nova York.

 

FOLHA - A última vez que nós conversamos, quando "Casei com um Comunista" estava sendo lançado no Brasil, foi há sete anos, em setembro de 2000. Falamos sobre a disputa dos candidatos George W. Bush e Al Gore, o sr. disse como os republicanos estavam tentando apagar os anos 60 do mapa e que Al Gore seria eleito.
PHILIP ROTH -
[Risos] Éramos dois sujeitos espertos!

FOLHA - O sr. disse também que Bush não teria capacidade para dirigir nem um armazém de secos e molhados, quanto mais comandar um país. O que o sr. diz, sete anos depois?
ROTH -
[Resignado] Eu estava errado. É trágico. Eu estava tragicamente errado...

FOLHA - O pior, segundo sua previsão, aconteceu: o homem que não "tinha capacidade para dirigir um armazém" está no final de seu segundo mandato. Qual sua opinião hoje?
ROTH -
Bem, a primeira eleição foi um roubo. Ele nunca foi realmente legitimado como presidente, é o que me parece, para o primeiro mandato. No segundo mandato, o país o queria. Eles o escolheram... E ele é, sem dúvida, o pior presidente que nós já tivemos. O pior. Pior do que o pior. E a Guerra do Iraque é a principal prova disso. Essa guerra selvagem, cara, brutal e desnecessária.

FOLHA - E sobre a tentativa de apagar os anos 60 da história americana, o sr. acha que eles foram bem-sucedidos?
ROTH -
Bem... Tem havido uma dessecularização da esfera pública, e os anos 60 eram a secularização, entre outras coisas. Hoje em dia já não sei mais se eles estavam mesmo mirando os anos 60. O que Bush fez foi indicar dois juízes para a Suprema Corte que farão tudo o que puder para tornar o aborto ilegal, por exemplo. Então, pensando bem, sim, via guerra e pela nova formação da Suprema, eles tiveram um tremendo impacto em nossas vidas.

FOLHA - Bem, já que o sr. fez previsões tão acertadas há sete anos nesse campo, deixe-me perguntar de novo: quem o sr. acha que será eleito em 2008?
ROTH -
Sim, vá adiante, me dê uma nova chance para eu fazer papel de bobo. [Risos] Não tenho a menor idéia. Não tenho idéia de quem será o candidato democrata e não tenho idéia de quem vai ganhar as eleições.

FOLHA - O sr. não acha que a senadora e ex-primeira-dama Hillary Clinton é uma boa aposta, do lado democrata?
ROTH -
[Agora cauteloso] Eu simplesmente não sei...

FOLHA - Ok, deixe-me dizer dessa maneira: se as eleições fossem hoje e ela fosse eleita, o que aconteceria segundo as pesquisas de intenção de voto atuais, o sr. acha que mudaria algo ou seria apenas o final de um clichê, a primeira mulher na presidência?
ROTH -
Não, não, não, acho que haveria uma mudança. Isso que temos agora é um desastre. Com os democratas vencendo, teremos de volta a política como sempre. Isso aqui agora é um desastre. Os democratas são muito mais preferíveis do que os republicanos. Vamos falar de literatura?

FOLHA - Vamos. Há sete anos, o sr. reclamou que seus amigos estavam morrendo...
ROTH -
[Gargalha] Pois isso não parou de acontecer!

FOLHA - Daí o livro ["Homem Comum" começa com um enterro e o tema principal e doença e morte]?
ROTH -
Sim, em grande parte. Foi publicado aqui em 2005. Bem, sim, eu tenho ido a muitos funerais e tenho perdido muitos amigos e eu comecei a escrever esse livro no dia seguinte ao funeral de Saul Bellow [escritor, 1915-2005]. O livro não trata de Saul, mas minha cabeça estava profundamente tomada pela inevitabilidade de que todo o mundo que eu conhecia e conheço vai morrer. Então, sim, escrevi como resposta à morte de meu amigo.

FOLHA - O livro começa com a descrição de um funeral. É parecido com o de Bellow?
ROTH -
Não. Nada.

FOLHA - É parecido com o que imagina que será o seu?
ROTH -
O meu próprio? Não... Era apenas um funeral padrão, era apenas uma maneira de introduzir a vida do homem, sua família, as pessoas que o amavam e o conheciam. Eu gostei de começar com o fim e então partir dali.

FOLHA - O papel das mulheres no livro é muito forte. Como o sr. acha que as mulheres reagirão em seu próprio funeral?
ROTH -
Nunca pensei nisso... Fui muito próximo de algumas mulheres. Algumas delas chorarão, outras não.

FOLHA - Por que "Everyman" [o título original]? Por que o empréstimo de uma peça inglesa do século 15?
ROTH -
O "Everyman" original é um conto de moralidade, é uma alegoria cristã sobre a morte. Não sou cristão, não suporto alegorias, então só peguei o título emprestado e fiz a minha própria peça sobre a morte. Só que a versão secular.

FOLHA - Por que o personagem principal não tem nome?
ROTH -
Ele não tem um nome porque originalmente eu não lhe dei um. E, quando eu estava trabalhando na segunda versão, percebi isso e pensei: "Não lhe dê um nome. Deixe ele ser conhecido por seus relacionamentos, como pai, marido, irmão, filho, amante, deixe ele viver por esses relacionamentos e tirar sua identidade por eles". Que é como nós formamos nossa identidade, por aqueles que nos conhecem como realmente somos.

FOLHA - O sr. pensa muito em sua própria morte, no momento em que "não será mais", como escreve no livro?
ROTH -
Bem, depois de uma certa idade, é difícil não pensar mais na morte de maneira mais freqüente do que antes. Aos 60, você começa a pensar freqüentemente e, aos 70, a coisa fica realmente séria. Você olha adiante e vê que não tem mais tanto tempo. E esse é um sentimento muito perturbador.

FOLHA - Mas o sr. não tem medo de morrer?
ROTH -
Não tenho? Você que está dizendo isso. Eu estou perplexo pela realidade à vista.

FOLHA - Numa das passagens mais marcantes do livro, o sr. escreve: "A velhice não é uma batalha, é um massacre".
ROTH -
Você não concorda? Vá a um hospital e dê uma olhada ao redor... [Fica em silêncio]

FOLHA - Eu o deprimo com toda essa conversa?
ROTH -
Ah, não, é preciso muito mais do que isso para me deprimir.

FOLHA - O sr. releu esse livro para nosso encontro, como fez da outra vez com "Casei com um Comunista"?
ROTH -
Não. Eu não releio meus livros, em geral

FOLHA - O que o sr. lê?
ROTH -
Nos últimos anos eu tenho mais relido do que lido. Na maioria autores que eu li quando tinha 20 anos e não li desde então. Grandes escritores. O mais recente é Joseph Conrad [escritor britânico de origem polonesa, 1857-1924].
Na semana passada reli "Under Western Eyes" (1911), antes disso eu li uma biografia sobre ele, antes disso quatro contos, antes disso "The Nigger of the

Narcissus" (1897), ótimo, ótimo, que grande livro. Há alguns meses eu estava relendo Ivan Turguêniev [escritor russo, 1818-1883]. Fiz isso por dois meses. É isso que eu tenho feito nos últimos dois anos.

FOLHA - Podemos esperar alguma influência dos dois no próximo livro?
ROTH -
Duvido. Sou ininfluenciável [Risos]. Só estou fazendo isso porque, em primeiro lugar, esses livros são maravilhosos, segundo porque eu não me lembrava deles: é muito boa a sensação de estar lendo pela primeira vez algo que você já sabe que é bom.

FOLHA - O sr. citou a biografia de Conrad. Em "Homem Comum", seu personagem diz que, se um dia fosse escrever a biografia dele, o título que daria seria "A Vida e a Morte de um Corpo Masculino". É o título que o sr. daria para a sua?
ROTH -
Não, não. Não tenho nenhuma vontade de escrever uma biografia, de jeito nenhum. Deus me livre. Eu tenho um biógrafo oficial, com o qual me encontro muito raramente, mas a coisa fica nisso.

FOLHA - Há algum assunto tabu nesses encontros?
ROTH -
Não, até agora não.

FOLHA - O ataque do 11 de Setembro aparece brevemente em "Homem Comum" e um pouco mais em "Exit Ghost", seu livro mais recente. Quanto o evento o afetou?
ROTH -
Como autor? Nada. Como pessoa? Fiquei com raiva, sem fôlego, achei uma tragédia. Mas o pior de tudo foi o uso do ataque pelo governo de Bush, para justificar uma guerra desnecessária. Se o 11 de Setembro tivesse acontecido, mas não a Guerra do Iraque, as coisas seriam muito diferente, o ataque teria apenas o significado que realmente teve. Mas foi cinicamente explorado para justificar a guerra. Muito mudou, é claro, os americanos não se sentem mais tão confiantes quanto antes e o governo George W. Bush formou sua agenda em torno das conseqüências do ataque. Mas tudo poderia ter sido muito diferente...

FOLHA - Há alguns livros seus sendo adaptados para o cinema hoje. O sr. se interessa por isso?
ROTH -
Gostaria que fossem boas, mas não tenho nenhum controle. "Dying Animal" terá Penélope Cruz e Beng Kingsley. "American Pastoral" também. "Deception" está sendo adaptado por um diretor francês. Mas geralmente esse pessoal de cinema fica muito interessado em meus livros e depois desaparece.

FOLHA - O sr. vê os filmes? Liga para isso? Viu, por exemplo, "The Human Stain", com Anthony Hopkins e Nicole Kidman?
ROTH -
Horrível. Vamos ficar nessa palavra: horrível

FOLHA - Da última vez que nos encontramos o sr. mencionou que leu Machado de Assis. O sr. nunca esteve no Brasil, apesar de ter sido convidado algumas vezes. Pretende ir?
ROTH -
Eu não me lembro de ter sido convidado, talvez eu tenha sido. Mas já viajei muito quando tinha 40, 50 no começo de meus 60. Agora me cansei.

FOLHA - O sr. pode me dizer algo sobre seu próximo livro?
ROTH -
Não. Nada.

FOLHA - Então é isso.
ROTH -
Ok, temos um encontro marcado para 2014.


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