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"Washington jamais será tão influente na AL"
Para Hobsbawm, Brasil é essencial no amadurecimento político do continente
Historiador marxista volta a defender-se com relação a ataques às suas convicções ideológicas; "me recuso a dizer que perdi a esperança"
DA REDAÇÃO
Leia trechos da entrevista
que Eric Hobsbawm concedeu
à Folha.
(SYLVIA COLOMBO)
FOLHA - O que mais deveria ser discutido no aniversário de 20 anos da
queda do Muro de Berlim?
ERIC HOBSBAWM - A celebração é
oportuna porque o capitalismo
agora chegou a seu limite. A crise econômica mundial é o fim
de um ciclo, que começou a ruir
quando caiu o Muro em Berlim.
No Leste Europeu, vejo dificuldade em rompimento com o
legado comunista. Mas é o Ocidente quem deve refletir mais
sobre o que ocorreu na Guerra
Fria e o que pode ser feito para
evitar um novo colapso.
FOLHA - As "Eras" são consideradas um exemplo de boa análise histórica dedicada a um amplo período. O sr. acha que falta ambição a
historiadores hoje?
HOBSBAWM - Para fazer história
com uma perspectiva maior, é
preciso ser um intelectual maduro. Hoje, os jovens historiadores gastam muito mais tempo em suas especializações.
Quando estão aptos a dar um
passo maior, hesitam. A história equivocadamente se afastou
da "história total" que fazia
Fernand Braudel [1902-1985].
FOLHA - O sr. começa "A Era dos
Impérios" contando uma história
autobiográfica (a do encontro de
seus pais no Egito) e então propõe
uma reflexão sobre história e memória. Quão diferente foi escrever
este volume, que se refere a passagens mais próximas do seu olhar no
tempo, do que os anteriores?
HOBSBAWM - Neste livro tive de
trabalhar com o que chamo de
"zona de penumbra", onde se
misturam nossas lembranças e
tradições familiares com o que
aprendemos depois sobre determinado período. Não é fácil,
pois trata-se de um território
de incertezas e em que há um
elemento afetivo. Por outro lado, trata-se de uma oportunidade de estimular aquele que lê
a pensar sobre como seu próprio passado está relacionado
com a história.
FOLHA - Em seu novo livro ("Reappraisals"), o historiador britânico
Tony Judt escreveu um ensaio sobre
o senhor ("Eric Hobsbawm and the
Romance of Communism"). Neste,
mostra admiração por seu conhecimento, mas faz uma severa crítica:
"para fazer o bem no novo século,
nós devemos começar dizendo a
verdade sobre o antigo. Hobsbawm
se recusa a mirar o demônio na cara
e chamá-lo pelo nome". Como o sr.
responderia a seu colega?
HOBSBAWM - A crítica de Judt
não se justifica. O que ele quer é
que eu diga que estava errado.
Em "A Era dos Extremos", eu
encaro o problema, o critico e
condeno. Não tenho problemas
em dizer que a Revolução Russa causou dor e sofrimento à
população russa. Porém, o esforço revolucionário foi algo
heroico. Uma tentativa de melhorar a sociedade como não se
viu mais na história. Me recuso
a dizer que perdi a esperança.
FOLHA - O sr. havia dito, numa entrevista ao "Independent", que havia alguns clubes dos quais não iria
ser sócio nunca, referindo-se aos intelectuais ex-comunistas. Ainda
pensa assim?
HOBSBAWM - Não vejo problema quando um intelectual, especialmente de países do Leste
Europeu, percebe que a democracia é melhor do que o sistema autoritário em que vivia. É
normal a mudança de posição
quando surgem fatos novos.
O ex-comunista que condeno
é aquele que antes militava em
grupos de esquerda e que hoje
tem uma bandeira única, a de
ser anticomunista apenas, esquecendo-se do resto das ideias
pelas quais lutava. Também me
entristece ver intelectuais jovens, que não passaram pela
história dessas lutas, repetindo
e tentando tirar benefício desse
mesmo tipo de propaganda.
FOLHA - A América Latina está às
vésperas de comemorar, em vários
países, os 200 anos do início das lutas de independência. Que análise
faz do atual momento?
HOBSBAWM - A dependência
econômica ainda é um fato,
mas politicamente a América
Latina é cada vez mais livre.
Washington jamais voltará a
exercer a influência de antes,
tampouco a apoiar golpes ou
ditaduras como fez no passado.
O que está acontecendo em
Honduras é um sinal disso. O
Brasil tem papel central nesse
processo, uma vez que o México se transforma cada vez mais
em apêndice dos EUA.
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