São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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Motores envenenados

30 anos após deixar os palcos e formado por um trio de senhores, o grupo de Detroit MC5 vem ao Brasil e faz show em Goiânia, no mês que vem

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

É como se fosse a chegada do Messias. O Messias do rock. O Brasil recebe para um show exclusivo em Goiânia, em novembro, a mítica banda americana MC5, "entidade" musical de Detroit que, no fim dos anos 60, pisou nas flores do movimento hippie californiano, cuspiu na swinging London, antecipou o hard rock, influenciou o punk e proporcionou uma série de outros chacoalhos que causaram irreversíveis danos (para o bem) na música.
A molecada do MC5, ou o que sobrou dela, vem ao país agora na forma de um trio de senhores distintos, aparentemente pacatos, com a missão de botar todas as luzes no Goiânia Noise Festival, no exato momento em que a música independente nacional vê pipocar, de Natal a Porto Alegre, um sem-número de bandas de garagem. Daí o caráter "bíblico" da visita.
O MC5 visita o Brasil, na verdade, como MC3. Ou, como é usado, DKT/MC5. Do quinteto, só sobreviveram para tocar na terra de Zezé di Camargo o baixista Michael Davis, o baterista Dennis Thompson e o guitarrista Wayne Kramer. Dois de seus principais membros -o vocalista Rob Tyner e o guitarrista Fred "Sonic" Smith- já morreram.
E Wayne Kramer, presença obrigatória em qualquer lista de melhores guitarristas da história, falou com exclusividade à Folha de seu estúdio, em Los Angeles. Los Angeles?
"Eu não vivo em Detroit desde 1978", disse Kramer, que com o restante do MC5 cravou no mapa do rock a terra que hoje pertence a Eminem e White Stripes. Detroit, ou a Motor City, deu origem ao nome do celebrado quinteto: MC5. Longe geograficamente do paz-e-amor da Califórnia, o MC5 surgiu para botar para quebrar, num ambiente cinza e cercado por muros de fábricas de carro.
Ultrapolitizada, a banda liderava, na virada dos anos 60 para os 70, uma guerrilha urbana e roqueira em resposta à zona social, aos conflitos sociais e aos mortos no Vietnã que atormentavam o son(h)o americano. Não tinha show da banda que não acabasse com queima da bandeira.
Com uma energia sônica, que misturava rock sujo com reminiscência de funk, soul e descontrole jazzístico, o MC5 fez e aconteceu e influenciou tudo o que veio a seguir. Talvez por isso acabou rápido, logo depois do terceiro disco ("Kick Out the Jams", 69, "Back in the USA", 70, e "High Time", 71).
É talvez por isso também que o retorno da banda, no ano passado e mais de 30 anos depois, causou um choque para quem de alguma forma conhecia sua história. Fãs mais ardorosos acharam um absurdo o antes politizado e queima-bandeiras de outrora MC5 voltar à ativa, mais de 30 anos depois, em um evento patrocinado pela marca de jeans Levi's, um dos símbolos da América capitalista.
Em uma negociação complicada, a Levi's conseguiu comprar o direito de usar o logo do grupo de Detroit em uma campanha para vender uma linha de camisetas vintage. E para o "bem" ou para o "mal", o MC5 voltou à ativa.
Com vocalistas convidados, que incluem Evan Dando (Lemon- heads), Mark Arm (Mudhoney) e Lisa Kekaula (BellRays), o MC5 versão 2004 passou o ano excursionando pelo mundo. Até acabar no Brasil, em Goiás, na "Goiânia Rock City", naquele que pode ser mesmo o último show da banda, já que, segundo Wayne Kramer, 56 anos, "não há planos futuros para o MC5".
Leia a entrevista com o guitarrista:
 

Folha - Você está falando de Los Angeles, onde mora. Quando foi que você deixou de viver em Detroit?
Wayne Kramer -
Eu deixei Detroit em 1978, há muuuito tempo atrás. Mas eu sempre volto lá, umas duas vezes por ano pelo menos. Para trabalhar e dar uma olhada no que está acontecendo.

Folha - Como é voltar à nada rotineira rotina do famoso MC5?
Kramer -
Sobre tocar e viajar em turnê não tem nada de novo, pois venho fazendo isso há mais de 30 anos. A volta do MC5, antes de mais nada, é uma chance maravilhosa de reencontrar meus velhos amigos Michael Davis e Dennis Thompson, o que sobrou da banda original. E voltar a tocar as canções do MC5, agora, nesta altura da minha vida, é como receber uma grande dádiva.

Folha - O que motivou vocês a voltarem com a banda?
Kramer -
A oportunidade surgiu por causa do incidente com a Levi's no ano passado. Havia um problema na coisa toda e pensamos: como vamos resolver isso? Uma das soluções que pensamos foi fazer um concerto para nos reunirmos de novo, convidar uns amigos e celebrar a música do MC5. Funcionou de uma maneira tão maravilhosa que quisemos fazer de novo, até pelos fãs. Porque eu nunca soube que as canções do MC5 fossem tão importantes para tantas pessoas.

A volta do MC5, antes de mais nada, é uma chance maravilhosa de reencontrar meus velhos amigos Davis e Thompson... Nesta altura da minha vida, é como receber uma grande dádiva


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