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Motores envenenados
30 anos após deixar os palcos e formado por um trio de senhores, o grupo de Detroit MC5 vem ao Brasil e faz show em Goiânia, no mês que vem
LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA
É como se fosse a chegada do
Messias. O Messias do rock. O
Brasil recebe para um show exclusivo em Goiânia, em novembro, a
mítica banda americana MC5,
"entidade" musical de Detroit
que, no fim dos anos 60, pisou nas
flores do movimento hippie californiano, cuspiu na swinging
London, antecipou o hard rock,
influenciou o punk e proporcionou uma série de outros chacoalhos que causaram irreversíveis
danos (para o bem) na música.
A molecada do MC5, ou o que
sobrou dela, vem ao país agora na
forma de um trio de senhores distintos, aparentemente pacatos,
com a missão de botar todas as luzes no Goiânia Noise Festival, no
exato momento em que a música
independente nacional vê pipocar,
de Natal a Porto
Alegre, um sem-número de bandas de garagem.
Daí o caráter "bíblico" da visita.
O MC5 visita o
Brasil, na verdade,
como MC3. Ou,
como é usado,
DKT/MC5. Do
quinteto, só sobreviveram para
tocar na terra de
Zezé di Camargo
o baixista Michael
Davis, o baterista
Dennis Thompson e o guitarrista
Wayne Kramer.
Dois de seus principais membros
-o vocalista Rob
Tyner e o guitarrista Fred "Sonic"
Smith- já morreram.
E Wayne Kramer, presença
obrigatória em
qualquer lista de
melhores guitarristas da história,
falou com exclusividade à Folha de seu estúdio, em
Los Angeles. Los Angeles?
"Eu não vivo em Detroit desde
1978", disse Kramer, que com o
restante do MC5 cravou no mapa
do rock a terra que hoje pertence a
Eminem e White Stripes. Detroit,
ou a Motor City, deu origem ao
nome do celebrado quinteto:
MC5. Longe geograficamente do
paz-e-amor da Califórnia, o MC5
surgiu para botar para quebrar,
num ambiente cinza e cercado
por muros de fábricas de carro.
Ultrapolitizada, a banda liderava, na virada dos anos 60 para os
70, uma guerrilha urbana e roqueira em resposta à zona social,
aos conflitos sociais e aos mortos
no Vietnã que atormentavam o
son(h)o americano. Não tinha
show da banda que não acabasse
com queima da bandeira.
Com uma energia sônica, que
misturava rock sujo com reminiscência de funk, soul e descontrole
jazzístico, o MC5 fez e aconteceu e
influenciou tudo o que veio a seguir. Talvez por isso acabou rápido, logo depois do terceiro disco
("Kick Out the Jams", 69, "Back in
the USA", 70, e "High Time", 71).
É talvez por isso também que o
retorno da banda, no ano passado
e mais de 30 anos depois, causou
um choque para quem de alguma
forma conhecia sua história. Fãs
mais ardorosos acharam um absurdo o antes politizado e queima-bandeiras de outrora MC5
voltar à ativa, mais de 30 anos depois, em um evento patrocinado
pela marca de jeans Levi's, um dos
símbolos da América capitalista.
Em uma negociação complicada, a Levi's conseguiu comprar o
direito de usar o logo do grupo de
Detroit em uma campanha para
vender uma linha de camisetas
vintage. E para o "bem" ou para o
"mal", o MC5 voltou à ativa.
Com vocalistas convidados, que
incluem Evan Dando (Lemon-
heads), Mark Arm (Mudhoney) e
Lisa Kekaula (BellRays), o MC5
versão 2004 passou o ano excursionando pelo mundo. Até acabar
no Brasil, em
Goiás, na "Goiânia Rock City",
naquele que pode
ser mesmo o último show da banda, já que, segundo Wayne Kramer, 56 anos,
"não há planos
futuros para o
MC5".
Leia a entrevista
com o guitarrista:
Folha - Você está
falando de Los Angeles, onde mora.
Quando foi que você deixou de viver
em Detroit?
Wayne Kramer -
Eu deixei Detroit
em 1978, há
muuuito tempo
atrás. Mas eu
sempre volto lá,
umas duas vezes
por ano pelo menos. Para trabalhar e dar uma
olhada no que está acontecendo.
Folha - Como é
voltar à nada rotineira rotina do famoso MC5?
Kramer - Sobre tocar e viajar em
turnê não tem nada de novo, pois
venho fazendo isso há mais de 30
anos. A volta do MC5, antes de
mais nada, é uma chance maravilhosa de reencontrar meus velhos
amigos Michael Davis e Dennis
Thompson, o que sobrou da banda original. E voltar a tocar as canções do MC5, agora, nesta altura
da minha vida, é como receber
uma grande dádiva.
Folha - O que motivou vocês a voltarem com a banda?
Kramer - A oportunidade surgiu
por causa do incidente com a Levi's no ano passado. Havia um
problema na coisa toda e pensamos: como vamos resolver isso?
Uma das soluções que pensamos
foi fazer um concerto para nos
reunirmos de novo, convidar uns
amigos e celebrar a música do
MC5. Funcionou de uma maneira
tão maravilhosa que quisemos fazer de novo, até pelos fãs. Porque
eu nunca soube que as canções do
MC5 fossem tão importantes para
tantas pessoas.
A volta do MC5, antes de mais nada, é uma chance maravilhosa de reencontrar meus velhos amigos Davis e Thompson... Nesta altura da minha vida, é como receber uma grande dádiva
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