São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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CINEMA

Ada Falcón, cantora de tangos argentina que se recolheu no auge do sucesso, é tema de documentário exibido em SP

Filme tenta ver além dos olhos da diva

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No documentário ao estilo de filme de suspense "Yo No Sé qué me Han Hecho Tus Ojos" (Não Sei o que Seus Olhos me Fizeram) -cartaz de amanhã na 1ª Mostra de Documentários do Mercosul, na Cinemateca Brasileira- o diretor argentino Sergio Wolf assume o personagem do detetive.
Wolf se deixa filmar (pela co-diretora Lorena Muñoz) caminhando pelas ruas de Buenos Aires, remexendo arquivos, interrogando artistas da velha guarda, em busca de uma pista sobre o paradeiro da cantora de tangos Ada Falcón.
Diva nos anos 30, estrela de produções de teatro e cinema, Ada deixa a cena artística, sem explicações, no início da década de 40. Nunca reaparece. Especula-se que a cantora se desfez de todos os signos de opulência que cultivava (jóias, automóveis, roupas caras) e se recolheu a um convento.
Dizem também que a reviravolta na vida da estrela coincide com uma decepção amorosa. O então igualmente famoso autor e diretor musical Francisco Canaro (que havia se inspirado nas magnetizantes pupilas verdes de Ada para compor o lamento amoroso em forma de tango "Yo Nó Sé qué me Han Hecho Tus Ojos", gravado por ela) teria partido o coração da diva quando deixou sua mulher para assumir o romance não com ela, mas com outra amante.
É o que dizem. É o que Wolf ouve aqui e ali, enquanto traça a busca paralela pelo encontro com a única pessoa capaz de revelar as razões de seu recolhimento.
"Yo No Sé qué me Han Hecho Tus Ojos" levou cinco anos para ficar pronto. Quando estreou na Argentina, permaneceu seis meses em cartaz, em duas salas. Os 25 mil espectadores que atraiu são marca respeitável no currículo de qualquer documentarista no país.
Foram muitas as interpretações do filme que Wolf ouviu de público e crítica -a história de Ada é uma metáfora sobre os desaparecidos durante a ditadura militar; o filme é um retrato não da cultura argentina, mas do que a Argentina fez com sua cultura; trata-se da geração dos netos tentando compreender a dos avós.
O diretor não refuta as análises, por achar que falar para além do que se quis é da natureza dos documentários. "Quando as pessoas lêem uma história, podem ver até aquilo que não pensamos."
O que Wolf, sim, pensou e pensa é que "os pequenos personagens, os que o mundo encostou pelo caminho, iluminam melhor a grande história". O fascínio do diretor por Ada Falcón vai, portanto, além daquilo que ele enuncia no filme: a curiosidade de entender como alguém "pode deixar tudo por uma convicção".
Embora se valha da estrutura de filme policial, própria da ficção, "em que o público não sabe se um personagem aparecerá ou não", "Yo No Sé qué me Han Hecho Tus Ojos" não perde interesse se o espectador souber de antemão que os diretores conseguem localizar Ada Falcón e vencer sua resistência a falar.
É no diálogo com a diva retirada que Wolf experimenta um aspecto em que os documentários parecem superiores à ficção. O diretor pergunta à cantora qual foi o grande amor de sua vida. "Eu nunca conseguiria roteirizar uma resposta com aquela ambigüidade", diz Wolf. A resposta de Ada Falcón não será reproduzida aqui. É segredo para o espectador desvendará vendo o filme. Se é que Ada Falcón é um personagem possível de desvendar-se.


YO NO SÉ QUÉ ME HAN HECHO TUS OJOS. Argentina, 2003. Documentário sobre a cantora de tango Ada Falcón. Direção: Sergio Wolf e Lorena Muñoz. Onde: Sala Cinemateca (largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Mariana, SP, tel. 0/ xx/11/5081-2954). Quando: amanhã, às 18h30. Quanto: R$ 10.


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