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ERUDITO
Dignidades da música contra a garoa e o zero a zero
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A "Arabesque" foi um mau
começo, mas os "Études-Tableaux" terminaram bem o concerto do pianista russo Dmitri
Alexeyev, quarta, no BankBoston
Hall. Entre Schumann e Rachmaninov, ele tocou Chopin, para a
platéia que enfrentou garoa, trânsito e a consciência da seleção brasileira em campo para ouvir música nos confins da zona sul.
Por que não se tocam os "Estudos Sinfônicos" de Schumann
(1810-56) com mais freqüência,
não dá para entender. Talvez pela
dificuldade -mas isso valeria
também para as peças que são
mais tocadas, então não serve de
argumento. A sedução de outras
composições, como a "Fantasia",
a "Kreisleriana" ou o "Carnaval",
justifica a escolha dessas, mas não
explica a rejeição dos "Estudos".
O gênero, quem sabe? Os "Estudos" são tanto estudos (exploração do instrumento e da arte de
tocar) quanto variações (exploração da arte de compor). Quer dizer: um artesanato da música,
exercícios de tirar o mundo de
grãos de areia. Música de músicos
para músicos.
Escritos, em sua maior parte,
em 1834-35, os "Estudos Sinfônicos" anunciam muito do que
Schumann faria depois de mais
seu: repetições inusitadas, ritmos
polifônicos, fora de fase uns com
os outros, aparições súbitas de vozes, aparentemente saídas de lugar nenhum. Todo um teatro de
sugestões e saudades, ânsias e
nostalgias, que essa música inventou como se estivesse só revelando o que já é. O "Finale" conjuga
tudo numa peça de bravura, avassaladora não apenas pelo volume,
mas por uma potência lírica que
soa, afinal, mais forte ainda.
Ou poderia soar. Mas dificilmente na vizinhança dos "fortíssimos" impressionantes de Alexeyev, que ele jamais perde a chance
de exibir; são um dom especial,
honrando a tradição pianística
russa. O difícil, então, é não fazer
disso um efeito. Para nem falar de
não fazer disso (e do pedal) uma
forma de contornar ou compensar notas perdidas, que geralmente não têm maior importância,
mas, nessa noite, nessa quantidade, infelizmente tinham.
Seja dito, em seu favor, que Alexeyev cria lindas texturas diferenciadas entre as mãos -cantando
com a voz cheia da direita e acompanhando lá de longe com a esquerda. Mas nessa noite, também,
nem todas as filigranas agudas de
Schumann obedeciam ao espírito. Alguma coisa soava dura, ou
travada, que só destravava depois,
nos arrebatamentos do volume.
Na segunda parte, as coisas melhoraram. E a "Barcarolle" de
Chopin (1810-49), uma das peças
mais refinadas do mais refinado
dos compositores do século 19,
cresceu na seqüência do "Rondeau" op. 1, escrito pelo compositor adolescente. Mas aqui também não dá para não dizer que a
renda de sonhos da música não
sofreu um pouco com os contornos sempre expansivos, mas mais
ou menos retos, da interpretação.
Alexeyev faz a música soar grande. Nem sempre é tão bom para
fazer soar pequena.
O que se ouviu depois foi um
Rachmaninov (1873-1943) vibrante, para fora. Um compositor
"russo" entre aspas. Mas, como
russo ali era o pianista, o gosto
torcido deve ser nosso. Os "Études", de qualquer modo, são irresistíveis, e Alexeyev tocou à vontade, de bem com a música.
Na volta: garoa e zero a zero.
Valeu a idéia da música, erguendo
suas dignidades contra o nada.
Dmitri Alexeyev
Quando: hoje e segunda, às 21h
Onde: Espaço Cultural BankBoston (av.
Dr. Chucri Zaidan, 246, Itaim Bibi, SP, tel.
0/xx/11/3081-1911)
Quanto: de R$ 26 a R$ 40
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