São Paulo, segunda-feira, 15 de outubro de 2007

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GUILHERME WISNIK

Consumo ao quadrado


Para o arquiteto Rem Koolhaas, Dubai será o foco de convivência entre culturas diametralmente distintas

IMPULSIONADA PELO dinheiro do petróleo, a cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, cresce a um ritmo alucinante. Hoje, aquilo que até 50 anos atrás era apenas um acampamento nômade vem se tornando o maior pólo de turismo de luxo do mundo, beneficiando-se com o surgimento recente de multimilionários na Rússia e no Sudeste Asiático.
Disposta a quebrar recordes, a cidade tem vários atrativos que ostentam a qualidade de serem o "número um" do mundo: o arranha-céu mais alto, o hotel mais luxuoso, o maior parque temático e o mais gigantesco centro de compras do planeta, incluindo imensa pista de esqui com neve artificial em pleno deserto. Ainda estão previstas a construção de uma série de outras torres com mais de cem andares, um hotel submarino em forma de medusa, e um conjunto de ilhas artificiais imitando palmeiras, símbolo de uma natureza ausente e estilizada, que se tornou a logomarca da cidade.
Mas o que significa, de fato, o "fenômeno Dubai"? Será apenas um caso isolado, uma ilha da fantasia extravagante no meio do deserto, como uma "Las Vegas na Arábia"? Ou será a alavanca visível de um processo maior que ainda não compreendemos bem? A segunda hipótese é defendida polemicamente pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas, para quem Dubai está muito além de representar um mero simulacro periférico. Por essa via, considera que a própria situação geopolítica da cidade, no centro estratégico mundial da circulação de capitais e de turistas, entre o Ocidente e o Oriente, fará necessariamente dela o foco de uma convivência fusional entre culturas diametralmente distintas.
Queiramos ou não, diz ele, o Golfo está reconfigurando o mundo à sua maneira, à medida que vai fundindo modelos urbanos diversos e exportando suas fórmulas, agressivamente e em grande escala, para regiões remotas que ainda se haviam mantido imunes às anteriores "missões da modernidade". Essas cartas estão em jogo agora, afirma. O que faz desse processo, na sua opinião, a "última" oportunidade (mesmo que ambígua), para os arquitetos, de se traçar um programa eficaz para o urbanismo futuro.
Koolhaas, como se vê, evita condenações ideológicas a priori, procurando entender os sintomas de vitalidade num mundo que engendra sua transformação desprezando os modelos teóricos do passado. No entanto, é difícil enxergar qualquer miragem de emancipação a partir de um símbolo tão perfeito (e sinistro) do caráter predatório da civilização em seu estágio atual. Pois em Dubai, a extração parasita das reservas fósseis subterrâneas (petróleo), que alimentam a combustão incessante dos nossos motores, coincide com a colonização do território por mastodontes que petrificam a efemeridade da sociedade de consumo em escala colossal, esterilizando qualquer semente de urbanidade. Assim, ao invés de apontar um caminho futuro, o gigantismo dessa cidade de "torres de babel" parece ser o emblema de uma equação terminal: um mundo que se autoconsome por cima e por baixo do solo, já que uma "indústria" financia a outra.


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