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Crítica/"Recomeço"
Virgínia Rodrigues busca novo caminho
Conhecida pelo repertório "afro", cantora lança disco de canções "voz-e-piano" acompanhada por Cristovão Bastos
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Por mais que sua voz lhe
permita cantar qualquer coisa, Virgínia Rodrigues ainda estava atrelada a
um repertório "afro" -na falta
de um adjetivo menos impreciso. Em seus últimos discos, interpretou os blocos da Bahia
("Nós", 2000) e os afro-sambas
de Baden & Vinicius ("Mares
Profundos", 2003).
Mas ela volta com um salto
inesperado, num desvio saudável e corajoso. Não por acaso, o
CD se chama "Recomeço". Será
lançado de amanhã a sábado no
teatro Rival, no Rio. O show chega a São Paulo em novembro. É
um disco de canções, voz-e-piano, em que ela é acompanhada
por Cristovão Bastos -que já tocou com craques desse formato
como Nana Caymmi e Gal Costa.
Sempre discreto, Cristovão atrai
Virgínia para uma região de interpretação mais contida, em
que ela só pode usar a potência
da voz para reforçar as letras, não
pelo prazer em si da emissão.
Mas, em parte, o repertório já
favorece o uso da extensão vocal.
"Beatriz" (Edu Lobo/Chico
Buarque) e "Por Toda Minha Vida" (Tom Jobim/Vinicius de
Moraes) são músicas que pedem
isso, e ela mostra o falsete poderoso e outros recursos.
O desafio dessas e de outras
faixas é que já são canções muito
e bem gravadas. "Canção de
Amor" (Elano de Paula/Chocolate), por exemplo, é uma das intocáveis de Elizeth Cardoso. Mas
Virgínia a registra com muito
cuidado, quase dizendo as palavras na primeira passagem, deixando para se soltar um pouco
no final.
Há algo de Elizeth em Virgínia,
aliás: a fusão do canto lírico com
o popular, uma sofisticação que
parece natural, conciliando matéria bruta e delicadeza. Ao mergulhar agora nas valsas e nos
sambas-canções, Virgínia se
aproxima ainda mais da "divina".
Caráter trágico
O CD abre com "Todo Sentimento" (Cristovão/Chico), que
Elizeth gravou. É a senha do
"recomeço", pois Virgínia soa
muito diferente, como uma alemã do lied. Mas está lá o fundo
negro da voz, numa moldura
melódica e poética marcadamente brasileira.
O "tempo da delicadeza" está
também em "Estrada Branca"
(Tom/Vinicius); "A Noite do
Meu Bem" (Dolores Duran);
"Boa Noite, Amor" (José Maria
de Abreu/Francisco Matoso) e
na pouco conhecida "Triste
Baía de Guanabara" (Novelli/
Cacaso). Mas o disco possui um
caráter trágico, como pede a
voz de Virgínia.
Dor, despedida, abandono
são agudos em "Eu Te Amo,
Amor" (Francis Hime/Vinicius). Não se passa ileso.
Virgínia e Cristovão recuperam "Alma" (Sueli Costa/Abel
Silva), tão gasta pela versão de
Simone. Uma recuperação que
provoca estranheza, como quase todo esse "Recomeço". Vale
muito driblar os primeiros incômodos e constatar como o
estranho pode ser sublime.
RECOMEÇO
Artista: Virgínia Rodrigues
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 32, em média
Avaliação: ótimo
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