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CRÍTICA
Crise dos anos 80 é o xis da questão na caixa
DO ENVIADO AO RIO
Gilberto Gil se revela um
valente ao permitir que o esqueleto da construção de sua
obra, principalmente nos anos 80,
seja exposto da forma dramática
como a caixa "Palco" o faz. Não é
um retrato feliz o que sai da dissecação, e o valente sabe disso.
A caixa parte do lado luminoso,
com as riquíssimas e praticamente inéditas gravações de samba na
Bahia do início dos anos 60 e os
extraordinários álbuns "Refazenda" (75) e "Refavela" (77). Chega
até a parcial recuperação criativa
dos anos 90 e 2000, de "Parabolicamará" (92) e dos recentes discos de projeto para Luiz Gonzaga
e Bob Marley.
O xis da questão, entretanto, está nos anos 80. É quando Gil se joga afoito demais à disco music e
ao reggae, por um lado, e a mimetizar a nascente (e de início combativa) geração pop-rock. Rende
discos indecisos, inseguros. Mas
vem a caixa "Palco" e resgata do
anonimato o que foi rejeitado dali
-ou seja, supostamente o que
era menos aceitável que rocks tipo "Punk da Periferia" (83) e reggaes tipo "Vamos Fugir" (84).
De fato, não há revelações grandiosas entre as ex-inéditas, e talvez elas percam mais ainda por
serem gravações demo, com fracas vozes-guias, quase de consumo caseiro mesmo. De novo, está
aí a audácia de Gil em colocar em
carne viva brinquedos privados.
Mas aí se ouve "Música Moderna" (82), e eis os mistérios desvendados. Nela, um Gil desencantado
diz, entre outras confissões: "O
que eu canto agora/ é simplesmente música moderna/ feita pra
consumo como fumo é/ como tudo que se vê no mundo agora é/
produto da era industrial".
Ele cantava isso vindo de críticas até do amigo Caetano Veloso,
na época de "Realce" e "Toda Menina Baiana" (79), e de "Luar",
"Palco" (81)... Estava prestes a
mergulhar em "Andar com Fé"
(82), "Extra" (83), "Pessoa Nefasta" (84)... A rejeição de "Música
Moderna" diz tudo: o consumo
venceu. Resultou em canções e
roupagens ruins? Não necessariamente. Mas ofuscou um Gil mais
livre, audaz e produtivo, isso sim.
Ele voltaria ao assunto em "It's
Good to Be Alive", nas sessões do
altivo, mas ignorado "Dia Dorim,
Noite Neon" (85). Ainda desencantado e prestes a querer ser político de centro, Gil ali cantava, em
inglês: "Agora eu vou desistir/ de
todas as minhas possessões/ minhas paixões/ minhas canções".
Também não foi lançada, ficou
inédita. E "Palco" revela, enfim.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Palco
Artista: Gilberto Gil
Lançamento: Warner
Quanto: entre R$ 700 e R$ 900 (28 CDs),
preço sugerido pela gravadora
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