São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 2002

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CRÍTICA

Crise dos anos 80 é o xis da questão na caixa

DO ENVIADO AO RIO

Gilberto Gil se revela um valente ao permitir que o esqueleto da construção de sua obra, principalmente nos anos 80, seja exposto da forma dramática como a caixa "Palco" o faz. Não é um retrato feliz o que sai da dissecação, e o valente sabe disso.
A caixa parte do lado luminoso, com as riquíssimas e praticamente inéditas gravações de samba na Bahia do início dos anos 60 e os extraordinários álbuns "Refazenda" (75) e "Refavela" (77). Chega até a parcial recuperação criativa dos anos 90 e 2000, de "Parabolicamará" (92) e dos recentes discos de projeto para Luiz Gonzaga e Bob Marley.
O xis da questão, entretanto, está nos anos 80. É quando Gil se joga afoito demais à disco music e ao reggae, por um lado, e a mimetizar a nascente (e de início combativa) geração pop-rock. Rende discos indecisos, inseguros. Mas vem a caixa "Palco" e resgata do anonimato o que foi rejeitado dali -ou seja, supostamente o que era menos aceitável que rocks tipo "Punk da Periferia" (83) e reggaes tipo "Vamos Fugir" (84).
De fato, não há revelações grandiosas entre as ex-inéditas, e talvez elas percam mais ainda por serem gravações demo, com fracas vozes-guias, quase de consumo caseiro mesmo. De novo, está aí a audácia de Gil em colocar em carne viva brinquedos privados.
Mas aí se ouve "Música Moderna" (82), e eis os mistérios desvendados. Nela, um Gil desencantado diz, entre outras confissões: "O que eu canto agora/ é simplesmente música moderna/ feita pra consumo como fumo é/ como tudo que se vê no mundo agora é/ produto da era industrial".
Ele cantava isso vindo de críticas até do amigo Caetano Veloso, na época de "Realce" e "Toda Menina Baiana" (79), e de "Luar", "Palco" (81)... Estava prestes a mergulhar em "Andar com Fé" (82), "Extra" (83), "Pessoa Nefasta" (84)... A rejeição de "Música Moderna" diz tudo: o consumo venceu. Resultou em canções e roupagens ruins? Não necessariamente. Mas ofuscou um Gil mais livre, audaz e produtivo, isso sim.
Ele voltaria ao assunto em "It's Good to Be Alive", nas sessões do altivo, mas ignorado "Dia Dorim, Noite Neon" (85). Ainda desencantado e prestes a querer ser político de centro, Gil ali cantava, em inglês: "Agora eu vou desistir/ de todas as minhas possessões/ minhas paixões/ minhas canções". Também não foi lançada, ficou inédita. E "Palco" revela, enfim.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Palco


   
Artista: Gilberto Gil
Lançamento: Warner
Quanto: entre R$ 700 e R$ 900 (28 CDs), preço sugerido pela gravadora



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