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LIVRO/LANÇAMENTO
Obra do suíço Jean Ziegler relaciona as ações das máfias do Leste Europeu com as instituições sociais
Imediatismo desatualiza "Os Senhores do Crime"
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Jean Ziegler é um agitador político que tem trazido para o
debate público temas sobre os
quais costuma pesar profundo
véu de desconhecimento. Ele foi
um dos primeiros a denunciar o
caráter predatório da suposta
neutralidade da Suíça durante a
Segunda Guerra Mundial e das
leis de sigilo bancário naquele
mesmo país, do qual é cidadão.
Depois, em "Os Senhores do
Crime", que acaba de sair no Brasil pela editora Record, Ziegler
tratou das graves implicações para as instituições sociais de quase
todo o mundo geradas pela ação
das máfias criminosas nos países
da antiga União Soviética.
Apesar da relevância dos temas
que discute em "Os Senhores do
Crime" e do interesse de algumas
informações que coletou em entrevistas com promotores públicos e investigadores policiais europeus, o conteúdo do livro perde
muito de sua credibilidade pelo
tom panfletário que o permeia.
Ziegler, que foi da bancada que
representa a Suíça no parlamento
europeu e atualmente é relator especial do programa da Organização das Nações Unidas sobre direito à alimentação, continua, aos
68 anos, a cumprir a missão que
Ernesto "Che" Guevara lhe aconselhou, em 1964, a realizar.
Naquele ano, "Che" foi a Genebra como líder da delegação cubana a uma conferência sobre açúcar. O jovem Ziegler, já fascinado
pelo marxismo, foi seu motorista
por duas semanas. Ele conta com
frequência que no último dia de
trabalho com Guevara, pediu ao
comandante para seguir junto para Cuba e que "Che" respondeu:
"Você nasceu no cérebro do
monstro; é aqui que você tem de
trabalhar e combater".
Um dos problemas com essa
edição de "Os Senhores do Crime" nada tem a ver com o autor: é
o fato de ela estar muito defasada
no tempo. Publicado originalmente em 1998 e com uma abordagem muito imediatista dos problemas econômicos e políticos, o
livro ficou desatualizado. Por
exemplo, grande parte da análise
inicial do trabalho é constituída
de críticas à artificialidade dos altos valores de empresas da chamada "nova economia", que se
desvaneceram com o estouro da
"bolha virtual" ocorrido em 2000.
O mais grave, no entanto, é a superficialidade dos ataques do autor à globalização da economia,
ao capitalismo monopolista e às
assimetrias de comércio mundial.
Ele está provavelmente certo em
boa parte dos reparos que faz.
Mas, por não fundamentar nem
com dados nem com boa teoria
seus argumentos, cai na vala comum dos slogans de passeata.
Toda a primeira parte de "Os
Senhores do Crime", que trata das
relações entre a globalização dos
mercados e o declínio do Estado
nacional, um tema interessantíssimo e muito bem tratado por diversos autores (entre eles, por
exemplo, o brasileiro Gilberto
Dupas), é desperdiçado em um tiroteio infindável que mistura lugares-comuns genéricos, insinuações não documentadas e referências a casos conhecidos baseadas em noticiário de jornal.
Os capítulos que tratam do caso
mais específico das máfias criminosas na antiga União Soviética
são mais consistentes e trazem alguma novidade com relação à
maneira como elas operam e a
possibilidade de combatê-las com
êxito. Mas permanece uma tendência irrefreável a misturar essa
informação com jargões doutrinários, assim como o aspecto mosaicado da mistura de fatos que
deixam de ser conectados por um
fio condutor coerente.
É uma pena, porque a atualidade do assunto é claríssima, como
mostra a crise política e econômica na Rússia provocada pela prisão de Mikhail Khodorkovsky
(um dos expoentes da associação
entre crime organizado e atividades de conglomerados da iniciativa privada que se criaram no turbilhão posterior à queda do Muro
de Berlim), e a falta de conhecimento do público a seu respeito é
evidente. Apesar do entusiasmo
juvenil e da admirável coragem,
Ziegler não ajuda a iluminar suficientemente esse tópico.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Os Senhores do Crime
Autor: Jean Ziegler
Tradução: Clóvis Marques
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (332 págs.)
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