São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2007

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Cinema/estréias - Crítica/"A Loja Mágica de Brinquedos"

Despretensão é trunfo de filme infantil

Diretor e roteirista, Zach Helm consegue evitar reviravoltas mirabolantes e não persegue a originalidade a todo custo

Divulgação
Dustin Hoffman e Natalie Portman em cena de "A Loja Mágica de Brinquedos'; arbitrariedade da fabulação é tema central do filme


PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em tempos de "Transformers", a chegada de "A Loja Mágica de Brinquedos" pode trazer alívio para pais e crianças. Assistindo ao filme, entende-se bem por que o roteiro circulou tanto tempo por Hollywood sem encontrar um estúdio disposto a bancá-lo.
Sua proposta é assumidamente anacrônica e passa muito longe dos apelos das produções infantis americanas de hoje, movidas pela necessidade de se criar uma nova franquia multimilionária e estimular o consumo mirim, bombardeando os miúdos com merchandising e licenciamentos.
O cenário é, sim, uma loja de brinquedos, e a mágica que está no título se traduz em brinquedos que ganham "vida", exatamente como em "Transformers". Mas as duas únicas marcas facilmente reconhecidas pelo público são os clássicos Playmobil e Lego. De resto -e sem tons saudosistas-, tudo faz lembrar um filme americano para crianças dos anos 60/ 70, à moda de "Mary Poppins" ou "A Fantástica Fábrica de Chocolate". Até mesmo os efeitos especiais parecem de outros tempos: são bonecos e espirais que se movem sozinhos, macacos de pelúcia carentes que abraçam os clientes, bolas que pulam sem perder a energia.
"A Loja Mágica de Brinquedos" foi o primeiro roteiro escrito por Zach Helm, dramaturgo de Chicago considerado uma revelação da nova geração.
Enquanto o projeto circulava de estúdio em estúdio, sem ganhar o "sinal verde", Helm viu um outro roteiro seu sair do papel, o metalinguístico "Mais Estranho que a Ficção". Só depois dos muitos prêmios recebidos por este filme Helm conseguiu viabilizar "A Loja Mágica de Brinquedos". E acumulou a direção.
O bicentenário Dr. Magorium (Dustin Hoffman) pressente que sua hora está chegando e decide fazer de Molly Mahoney (Natalie Portman) gerente de sua loja de brinquedos. Mas ela está em crise. Quer se tornar compositora, mas a inspiração lhe escapa. Dr. Magorium lhe dá de presente um cubo "mágico" que será capaz de lhe trazer de volta o brilho da criação. Nada acontece com o cubo, que não passa de um bloco de madeira opaco, até que Molly realmente acredite nele.
Com uma fórmula que parece óbvia, Zach Helm transforma uma questão aparentemente paralela ao núcleo do filme (centrado em uma criança tímida que freqüenta a loja de brinquedos) em seu verdadeiro tema: a absoluta arbitrariedade da linguagem e da fabulação.
Palavras são "objetos" que só ganham vida a partir de um pacto comum: a elas conferimos um sentido e nele acreditamos. É essa arbitrariedade que garante, também, a liberdade da fabulação, a possibilidade de transformação, os deslocamentos poéticos.
Mas a falta de um diretor mais experiente se faz sentir. O potencial de encantamento do roteiro não se realiza de todo por problemas de encenação e de ritmo. O filme é estruturado em capítulos, como um livro infantil, e seu tema central é a morte. Mas a proposta clássica não significa que a realização será simples, e, em vários momentos, falta apuro visual, imprescindível para que o filme se realizasse por completo. Ainda assim, "A Loja Mágica de Brinquedos" é uma boa surpresa. Tem a coragem de ser uma grande construção fabular sem reviravoltas mirabolantes.
E sua originalidade, de certa forma, está em sua absoluta falta de originalidade.


A LOJA MÁGICA DE BRINQUEDOS
Direção:
Zach Helm
Produção: EUA, 2007
Com: Dustin Hoffman, Natalie Portman, Jason Bateman
Quando: estréia hoje no Eldorado, Pátio Higienópolis e circuito
Avaliação: bom


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