São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2007

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Crítica/"A Casa de Alice"

Olhar severo e moralizante marca história

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Após uma hora e meia vendo "A Casa de Alice", que se passa quase todo no interior de um pequeno apartamento, é impossível ao espectador conhecer a geografia do local: onde fica a sala em relação à cozinha, esta em relação aos quartos, e um quarto em relação a outro.
"A Casa de Alice" trabalha com espaços desconectados. Embora exíguos, é como se desconhecessem uns aos outros.
Algo análogo se passa com os personagens do filme de Chico Teixeira. Alice, a mulher, parece não ter relações senão formais com Lindomar, marido e chofer de táxi. O mesmo se pode dizer dos filhos do casal.
A única entidade aparentemente capaz de dar alguma unidade aos lugares e pessoas é d. Jacira, mãe de Alice. Não por acaso, é em seu nome que se encontra a casa onde moram. É ela quem se ocupa dos serviços domésticos: cozinhar e lavar são atividades que dão alguma unidade à casa e às pessoas.
É Jacira, mais do que tudo, que olha. Por sua idade, talvez, ela já se encontra além dos dramas humanos. Os desentendimentos entre marido e mulher, os problemas e oscilações da adolescência e pós-adolescência vividos pelos rapazes: tudo isso está além ou aquém dela.
Mas não de seu olhar. Ao mesmo tempo em que olha, Jacira julga com severidade. É como se este mundo "de hoje" a desgostasse profundamente.
A proposta original parece limitar-se à observação de uma família paulistana razoavelmente disfuncional, sendo que suas disfunções têm ligação direta com uma situação social (pequena classe média). Se esta foi de fato uma intenção, ela parece ter se perdido: a família mostrada não tem nada de tão específico. O fato de habitar em um apartamento razoavelmente exíguo e ainda assim seus membros permanecerem alheios uns aos outros não caracteriza, afinal, uma situação de classe. O fato de a observação ser fria (não é estranho que venha de um documentarista) não produz uma Alice mais verdadeira. Ela é sobretudo verossímil: uma dona-de-casa um tanto frustrada, uma manicure excitada, uma mãe razoavelmente ausente. Diga-se o mesmo de Lindomar, com suas cervejas, seu táxi, sua ninfeta.
O que é específico, de fato, o que marca o filme, não é uma classe social e menos ainda o enredo que um comparsa com razão define como "de novela".
O que marca "A Casa de Alice" é o olhar moralizante de d. Jacira, como que a lamentação perpétua de um tempo em que ao caos dos desejos sobrepunha-se alguma ordem (religiosa, moral ou o que seja).


A CASA DE ALICE
Direção:
Chico Teixeira
Produção: Brasil, 2007
Com: Carla Ribas, Zécarlos Machado
Onde: no Frei Caneca Unibanco Arteplex 8, Reserva Cultural e circuito
Avaliação: regular


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