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Crítica/"A Festa de Abigaiu"
Peça se perde na multiplicidade do texto
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Mais conhecido no
Brasil pelo filme "Segredos e Mentiras",
Mike Leigh tem um universo
próprio e marcante, não só em
relação a seus temas -em geral,
comédias de situação a partir
da vida medíocre da classe média ou operária inglesa- mas
também a seus procedimentos.
Em peças e filmes, ele costuma partir de longos improvisos
com os atores. Ficou famosa a
cena de "Segredos e Mentiras"
em que a mãe encontra a filha
dada à adoção: filmada sem cortes, numa cena na qual personagens e atrizes se encontravam pela primeira vez, por oito
minutos acompanhamos a surpresa real que o diretor reservara a suas "cobaias": a mãe era
branca, e a filha, negra.
Esse limite entre o sitcom e a
performance é particularmente eficaz quando se tem grandes
atores, em cumplicidade criativa com o autor-diretor -e Leigh
pôde contar ao longo de sua
carreira com estreantes do peso de Tim Roth e Gary Oldman.
Sátira escrachada
"A Festa de Abigaiu", de 1977,
pertence à primeira fase do autor, quando a sátira era mais escachada que cruel, e relata em
tempo real um encontro social
entre vizinhos -uma espécie
de "Quem Tem Medo de Virginia Woolf" sem veleidades intelectuais. Em tempo real estrito, como num reality show, espiamos a classe média tentar
manter a pose, até que tudo se
desfaz em histeria e bebedeira.
Esta primeira montagem
brasileira, apontada como melhor peça do 11º Festival da Cultura Inglesa, reestréia no teatro
Augusta com prestígio, apesar
de ser a primeira direção do cineasta Mauro Baptista Védia e
de contar com artistas tarimbados, mas pouco conhecidos.
Assim, a protagonista e tradutora Ester Laccava, que faz
Beverly, a anfitriã vulgar que
humilha o marido, exerce bem
um personagem que ao mesmo
tempo irrita e enternece o público. Marcos Cesana faz Tony,
um operário que sobe na vida e
é objeto de desejo de Beverly e
de desprezo do marido Lawrence (Eduardo Estrela). Cesana parece se divertir, o que é
sempre contagioso, mas lhe falta concentração para não rir de
si mesmo. Estrela mantém
mais naturalidade, mas não ultrapassa o convencionalismo
que limita o personagem.
Ângela, mulher de Tony, é
uma enfermeira deslumbrada
com a ascensão social, e Ana
Andreatta opta pela caricatura
aberta, o que é eficiente, mas se
desgasta logo. Melhor estratégia é a de Fernanda Couto,que
faz Susan, a vizinha que já foi
casada com um arquiteto, mas
que perdeu o controle de sua
própria casa: é a mãe da adolescente Abigaiu, que dá a festa na
casa ao lado. Expulsa de sua casa e da antiga sofisticação intelectual, engole sapos e amendoins até o vômito catártico
-Couto é engraçada (e trágica)
sem perder a delicadeza.
A multiplicidade de estilos é
opção do diretor Védia, o que é
coerente com a autonomia de
criação dos atores proposta por
Leigh. Mas sua inexperiência
no palco se torna clara com a
inabilidade em administrar ritmos difíceis do texto, fazendo
com que a peça se dilate e perca
o impulso para a explosão final,
que soa quase arbitrária.
A informalidade da proposta
permite esse tom quase amador, o que parece não incomodar a platéia. Mas uma direção
de ator que exigisse uma partitura mais apurada tornaria o
espetáculo mais inquietante e
menos digestivo. Suavizada pelo deboche, engolida pelo sitcom que quer devorar, "A Festa
de Abigaiu" funciona, mas acaba marcando pouco.
A FESTA DE ABIGAIU
Quando: hoje, às 21h. Até 20/12
Onde: teatro Augusta (r. Augusta,
943, tel. 0/xx/11/3151-4141)
Quanto: R$ 40
Avaliação: regular
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