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O armazém de José Paulo
Lançamento da "Poesia Completa'
e de uma antologia de ensaios do poeta e tradutor paulista José Paulo Paes, que morreu há dez anos, ilumina as faces lírica e teórica de sua obra
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
Passados dez anos da morte
de José Paulo Paes -cuja "Poesia Completa" acaba de ser lançada, junto à antologia de ensaios "Armazém Literário"-,
críticos e leitores ainda não
conseguem dissociar sua obra
do perfil biográfico.
Ou, melhor dizendo, essa
poética irônica, desinflada, herdeira a um só tempo do modernismo e do concretismo, vem
sempre interpretada à luz do
retrato cativante do tradutor e
ensaísta autodidata. Ele viveu à
margem de movimentos estéticos e instituições acadêmicas,
generosamente recebendo jovens na casa do bairro paulistano de Santo Amaro, sempre ao
lado da mulher, Dora, musa de
seus versos e dedicatórias.
Resenhas e apresentações insistem -a exemplo do prefácio
de Rodrigo Naves para "Poesia
Completa"- nas analogias entre as qualidades do homem
(modéstia, humor, aversão à
pompa) e a feição de uma obra
que escolheu o molde despretensioso do epigrama, do chiste, do poema-piada. Mesmo
quem não conheceu José Paulo
Paes pessoalmente, porém,
consegue deduzir da obra os
traços que lhe são atribuídos
por amigos e admiradores.
Para compreender poemas
como "À Minha Perna Esquerda" ("Pernas/ para que vos quero?/ Se já não tenho por que
dançar./ Se já não pretendo/ ir
a parte alguma./ Pernas?/ Basta uma") e "À Bengala" ("Contigo me faço/ pastor do rebanho/
de meus próprios passos"), certamente é bom conhecer as vicissitudes desse autor que sofreu uma amputação devido a
problemas circulatórios.
Mas o tom galhofeiro, que
põe entre parênteses qualquer
ilusão de purgar a dor pela arte,
logo se conecta a um conjunto
de poemas nos quais se percebem o leitor atento da lírica latina e as afinidades com a geração marginal dos anos 70.
Concreto com humor
Nesse arco de referências, a
poesia concreta tem papel decisivo. Paes injetou doses maciças de humor no jogo de permutações sígnicas de Décio
Pignatari e dos irmãos Campos.
E chegou a experimentar o
"ready made" -como no poema visual "Sick Transit", que
reproduz uma placa de trânsito
na qual se lê "Liberdade Interditada", tendo abaixo uma flecha que indica "Paraíso".
Verdadeiro achado, em que
os nomes de dois bairros de São
Paulo veiculam ironias em relação ao clima asfixiante da ditadura militar, o teor crítico desse poema visual é reforçado pelo título, que brinca com o provérbio latino "Sic transit gloria
mundi" (Assim passa a glória
do mundo) e com a palavra
"sick" (do inglês, "doente").
O trânsito de Paes por esse
mundo enfermiço, todavia, vai
além do registro humilde do
poeta que se recolhe na contemplação lúdica. Sua "Poesia
Completa" traz momentos de
lirismo intenso -sobretudo
nos livros iniciais ("O Aluno",
"Epigramas") e na maturidade
de "Prosas Seguidas de Odes
Mínimas" e "A Meu Esmo".
Paes extraiu de Bandeira e
Drummond uma poesia em
tom menor e uma atenção às
miudezas que instala inquietação e pasmo no banal.
Do apito do trem que perfura
a noite, tornando vasta a vida
provinciana ("Noturno"), ao
"gosto inato da dissolução", individuado no "automóvel imóvel" que abole a idéia de movimento ("Momento"), desenham-se um sentimento do
mundo e uma lição de coisas
temperados por epigramas que
satirizam o declínio da experiência moderna: "o mundo foi
feito/ para culminar/ num cartão-postal", escreve Paes, em
paródia aos versos em que Mallarmé dizia que tudo era feito
para acabar em livro.
"Uma palavra esquecida/ à
beira do precipício [...]/ Uma
palavra tranqüila/ em meio ao
pânico". As passagens de "Ode"
(do livro "Epigramas") talvez
sirvam de resumo de uma obra
em que a mirada aparentemente pacata das coisas esconde
complexidades irredutíveis ao
temperamento do poeta.
POESIA COMPLETA
Autor: José Paulo Paes
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 47 (512 págs.)
RAIO-X
Nome: José Paulo Paes
Nascimento: 22/7/1926, em
Taquaritinga (SP)
Morte: 9/10/1998, em São
Paulo
Formação: química industrial,
em Curitiba
Início da atividade literária:
revista "Joaquim", dirigida
por Dalton Trevisan
Tradução: traduziu volumes
do inglês, francês, espanhol,
italiano, alemão, latim, dinamarquês, grego moderno e
grego antigo
Obra publicada: 16 livros de
poemas (sete infanto-juvenis) e dez de ensaios literários
Algumas obras: "O Aluno"
(1947), "Cúmplices" (1951),
"Anatomias" (1967), "Meia
Palavra" (1973), "Resíduos"
(1980), "Um por Todos" (poesia reunida, 1986), "A Poesia
Está Morta Mas Eu Juro que
Não Fui Eu" (1988), "Prosas
Seguidas de Odes Mínimas"
(1992), "A Meu Esmo"
(1995), "Socráticas" (póstumo, 2001), "Vejam Como Eu
Escrevo Bem" (póstumo,
2001)
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