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LIVROS
Crítica/"Nos Penhascos de Mármore"
Obra de Jünger tem muitas facetas
Romance do alemão, que ganha tradução impecável, tem teor alegórico e aproxima o escritor do kitsch e do fascismo
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
romance "Nos Penhascos de Mármore", que
a editora Cosac Naify
apresenta agora ao público brasileiro em uma bela edição e
transposto para um português
impecável pelo tradutor Tercio
Redondo, é uma obra de muitas
facetas.
O prefácio de Antonio Candido e o posfácio do tradutor
apresentam dados preciosos
para o leitor, inclusive a curiosidade de que este romance foi
em parte inspirado por uma
viagem de dois meses ao Brasil
que Ernst Jünger fizera em
1936, três anos antes da escritura deste livro. Jararacas verdes e amarelas são personagens
de destaque na obra.
Antes de mais nada, o livro
deixa claro novamente que
Jünger era um grande escritor.
Este romance pode ser lido como uma bela peça de literatura:
um texto bem escrito que constrói um universo mítico com
personagens bem delineados.
A história é apresentada como um ato de recordação do
protagonista -que não é nomeado-, que vivera junto com
seu irmão Otho em um retiro
em Marina Grande "à beira dos
penhascos de mármore".
Este local aprazível é descrito como uma espécie de paisagem ideal, idílica. Os irmãos, vivendo em um eremitério deste
retiro, trabalham tanto como
observadores da natureza como na organização de uma biblioteca: natureza e cultura vivem em harmonia.
Vinho e música se somam para construir uma espécie de
paraíso na terra. A natureza é
mágica e tem-se um total domínio sobre as jararacas que vivem no local.
Mas o cenário da história inclui também territórios adjacentes não tão desenvolvidos e
tranqüilos, por onde medra o
"monteiro-mor", uma espécie
de líder de um grupo de caçadores que espalham violência e
são movidos pelo ódio.
Teor alegórico
A história apresenta a quebra
da placidez na vida do protagonista. Otho e o narrador acabam se voltando contra os caçadores, para depois da luta no final encontrarem um novo exílio, desta vez na Alta-Plana, terra rica onde eles podem reencontrar a paz.
Mas o teor alegórico do livro
é evidente e convida o leitor o
tempo todo a tentar traduzir
em termos históricos o que está
sendo dito.
Personagens como o monteiro-mor -que "administrava o
medo em pequenas doses"-
lembram líderes nazistas, e os
caçadores arruaceiros podem
muito bem ser lidos como uma
crítica às SA ou às SS.
O protagonista tem uma série de características do próprio Jünger, que é apresentado
como realizando uma espécie
de "emigração interna", como
ocorreu com muitos escritores
alemães entre 1933 e 1945.
"Vivíamos numa época em
que o autor estava condenado à
solidão", ele escreve.
Na floresta aparece também
um esfoladouro, que é descrito
como um local da morte, numa
clara alusão aos campos de concentração.
No livro, a beleza idílica convive com a crueldade e a violência. Os tons sublimes oscilam
entre o sublime da natureza e a
sublime maldade.
A grande questão do livro está justamente nesta sobreposição de um discurso alegórico,
numa referência crítica aos nazistas, dos quais Jünger, já com
a guerra eminente, tentava então se distanciar, com, por outro lado, a vida no eremitério,
um verdadeiro locus amoenus.
"Sangue nobre"
O narrador, além disto, defende o "sangue nobre" como
arrimo da nação. Ao lado do
campo de concentração, ele colhe, emocionado, uma plantinha que o enche de felicidade e
nota que "é como se a natureza
o regalasse prodigamente".
Durante a luta contra os caçadores, existe uma estetização
da guerra, uma volúpia na morte e um gozo em ver a "beleza
do fim". Como escrevera em
1930 Walter Benjamin, em
uma resenha de outra obra de
Jünger: "Com a mobilização total da paisagem, o sentimento
alemão pela natureza experimentou uma intensificação
inesperada". Neste romance de
Jünger, esta intensificação acaba por aproximá-lo, de um lado,
do kitsch, e do outro, do fascismo do qual não consegue se
distanciar.
MÁRCIO SELIGMANN-SILVA é professor de
teoria literária na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor, entre outros, de "O
Local da Diferença" (ed. 34)
NOS PENHASCOS
DE MÁRMORE
Autor: Ernst Jünger
Tradução: Tercio Redondo
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 49 (200 págs.)
Avaliação: bom
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