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LIVROS
Crítica/"Deu no New York Times"
Rohter mostra seu lado "crioulo doido"
Livro do ex-correspondente do "NYT" no Brasil tem boas reportagens, mas faz interpretações risíveis sobre situações do país
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
Em uma das cenas do filme
"Correspondente Estrangeiro"
(1940), de Alfred Hitchcock, o
editor poderoso em Nova York
explica por que prefere um repórter no exterior a um correspondente estrangeiro. "Eu não
quero correspondência, eu
quero notícia", define.
Muitos dos jornalistas que
atuam no exterior são mais correspondentes do que repórteres, no sentido que retalham e
colam informações e as enviam
para suas sedes sem se preocupar com uma apuração própria.
Não é o caso de Larry Rohter,
58, que está lançando "Deu no
New York Times", com reportagens e reflexões sobre sua
atuação como repórter do jornal americano no Brasil entre
1999 e 2007.
Rohter, casado com uma brasileira, relata no livro suas experiências no país desde o momento em que aqui chegou pela
primeira vez a trabalho, em
1972. Muitas das reportagens
se enfraqueceram com o tempo, mas, agora, reunidas, ainda
permitem reconhecer que havia por trás delas um bom repórter.
O problema do livro -escrito
em inglês e traduzido para o
português- é que Rohter, que
voltou a viver nos EUA, é mais
talentoso como jornalista do
que como pensador. Suas reflexões sobre a vida no Brasil são
menos interessantes e mais generalistas e contestáveis do que
os fatos que reportou.
"Zunzum" na Presidência
O capítulo mais interessante
é aquele em que se manifesta
pela primeira vez a respeito de
sua reportagem mais polêmica
sobre o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva: "Gosto do dirigente brasileiro pela bebida
torna-se preocupação nacional" ("NYT", 9 de maio de
2004), na qual afirmava que
"sempre que possível, a imprensa brasileira publica fotos
do presidente com olhos turvos
ou rosto avermelhado, e constantemente faz referências aos
churrascos de fim de semana
na residência presidencial, em
que a bebida corre livremente,
e aos eventos oficiais em que
Lula nunca parece estar sem
um drinque na mão".
Como reação, o governo tentou expulsar Rohter, numa trapalhada jurídica autoritária
que se tornou mais errônea do
que a reportagem em si, construída a partir de relatos anônimos e impressionismos incomprováveis, "zunzum", como definiu o próprio repórter.
Rohter classifica o que se seguiu como uma "explosão de
nacionalismo, parte dela bastante hipócrita" e admite que o
título do texto não era correto.
"Na matéria em si, eu era explícito em declarar que o zunzum
a respeito do hábito de beber de
Lula estava basicamente confinado a políticos e jornalistas e
mal era percebido pela população em geral", escreve.
Um exemplo de que as reflexões de Rohter são piores do
que suas reportagens é o fato de
atribuir o "verdadeiro motivo"
para sua tentativa de expulsão a
uma reportagem que fez sobre
o assassinato do prefeito Celso
Daniel, de Santo André ("Morte do prefeito no Brasil suscita
acusações de corrupção", 1º de
fevereiro de 2004).
Nesse texto, não havia nenhuma informação que a imprensa brasileira não houvesse
publicado três meses antes.
Mas Rohter diz ter sentido "o
cheiro do rato": "Eu estava chegando perigosamente perto de
expor acidentalmente um dos
principais pilares de financiamento do esquema do mensalão", afirma ele, de modo narcísico e ingênuo.
Mais saborosas são as reportagens sobre o descaso com o
futebol feminino, a respeito do
gravurista e cordelista nordestino José Francisco Borges ou o
texto que despertou o interesse
de Tom Waits para a caixa de
CDs "Música Tradicional do
Norte e Nordeste", resultado
de missão folclórica enviada
em 1938, pelo então secretário
de Cultura de São Paulo, Mário
de Andrade -lançamento do
Sesc de 2006 ignorado, por
exemplo, por esta Folha.
As reportagens de Rohter
têm erros -como dizer que
Gilberto Gil foi o primeiro ministro negro brasileiro, esquecendo-se de Pelé na gestão
FHC-, mas possuem mais
qualidades do que suas reflexões, que beiram o "samba do
crioulo doido" -para usar expressão racial e culturalmente
incompreensível para um estrangeiro.
Atribui, por exemplo, o
boom de forró entre os jovens
no Brasil ao fato de artistas estrangeiros -como Peter Gabriel e David Byrne- terem recorrido ao ritmo em discos de
sucesso (no exterior, mas não
aqui). Simplificação absurda
que se repete quando diz que
só quando o samba "ganhou
aprovação na Europa os brasileiros se dispuseram a abraçá-lo como deles".
"Foi preciso o imprimátur da
França para tornar o samba palatável a uma elite relutante a
aceitar sua própria identidade", escreveu, mostrando que
um branco de Chicago pode assumir o papel do crioulo doido
na interpretação da história.
DEU NO NEW YORK TIMES
Autor: Larry Rohter
Tradução: Otacílio Nunes, Daniel Estill, Saulo Adriano e Antonio Machado
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (416 págs.)
Avaliação: regular
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