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O sertão vira mar de cultura em mostra de artes de Cariri
Direto de festival no agreste nordestino, o músico Lucas Santtana narra reação do público, que lota peças na madrugada e se diverte em "baladas dionisíacas"
LUCAS SANTTANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM CRATO (CE)
Pela tela quadrada da janela
da van, após desembarcar no
aeroporto de Juazeiro do Norte, o que se vê no percurso de 30
minutos até a cidade de Crato é
uma paisagem bem diferente
de filmes como "Cinema, Aspirinas e Urubus". No sertão de
Cariri (sul do Ceará), a paisagem é verdinha e, na Chapada
do Araripe, divisa com Pernambuco, Paraíba e Piauí, existem
até espécies da mata atlântica.
Quando o ator João Miguel
voltou de lá em 2002 e me disse
que existia em pleno sertão
brasileiro uma megamostra de
artes abrangendo teatro, música, artes plásticas, audiovisual,
fotografia e literatura, não duvidei, mas fiquei espantado pelo tamanho do evento.
Neste ano, são 1.500 artistas
provenientes de 17 Estados
brasileiros e quatro países (Espanha, França, Portugal e Argentina), apresentando seus
trabalhos no evento que se encerra hoje (programação em
mostracariri.wordpress.
com). São 43 espaços em 12 cidades, sendo que o grosso se
concentra em Juazeiro do Norte, Crato e Nova Olinda.
A atriz espanhola Nereida
Baros, do grupo Nutteatro, diz
estar impressionada com o
acolhimento para vários tipos
de propostas artísticas diferentes. O diretor Carlos Neira, da
Companhia da Galícia, completa: "Na Espanha, não há nada
parecido em termos de estrutura e diversidade".
Se não faltam atrações, tampouco falta público. Mesmo as
peças apresentadas à meia-noite, durante a semana, ficam lotadas, e é preciso garantir o ingresso com antecedência.
A primeira coisa que salta
aos olhos aqui é o caráter popular da mostra. Não se trata de
um festival para "entendidos",
no qual a "nata" da "classe" celebra o seu encontro.
Não importa se é o teatro de
mímica do grupo francês Dos a
Deux ou o som surround do ritual dos índios Karajá na praça
central, todos querem ver, ouvir e ter aquela vivência. Os filhos do taxista que pega você
no hotel na véspera podem ser
encontrados na adaptação de
Dom Quixote feita pelo grupo
Teatro que Roda, de Goiânia,
no dia seguinte.
Dane de Jade, gerente de cultura do Sesc Ceará e criadora,
há dez anos, da Mostra Sesc
Cariri de Cultura, diz não ver
sentido na vida se não for por
meio da arte: "Há uma longa
estrada pela frente para formar
o hábito de pensar cultura como um direito social".
Se formos analisar a mostra
do ponto de vista da economia
da cultura após esses dez anos,
tomamos conhecimento, por
meio de dados da prefeitura,
que o comércio, a hotelaria e os
vínculos empregatícios sobem
70% nesse período.
Contribuem também para isso vários atrativos da região, alguns naturais, como a cachoeira de Missão Velha, as caldas
naturais da cidade de Barbalha,
o Geopark do Araripe (patrocinado pelas Nações Unidas) e
fósseis de pterossauros do período Cretáceo (há cerca de 110
milhões de anos) em Santana
do Cariri.
O Cariri é um pólo de mestres de reisados, bandas de pífano, bacamarteiros e artesãos.
Durante a mostra, é impensável não participar das terreiradas, quando se abrem os quintais das casas e com lindas cantigas e indumentárias são celebradas tradições orais seculares passadas de pais a filhos.
Após um dia inteiro de acontecimentos paralelos, todos os
caminhos levam ao Crato Tênis Clube, onde os artistas que
se apresentam se misturam
com a população para curtir
baladas dionisíacas.
Todos querem conversar,
perguntar, entender, dançar,
beber e rir juntos. Como dizem
os cearenses: "Tem coisa melhor? Pense...".
LUCAS SANTTANA é músico e foi uma das atrações da Mostra Cariri
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