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Mônica Bergamo
bergamo@folhasp.com.br
A mãe do Lula
Otávio de Souza
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Glória Pires se prepara nos bastidores do filme "Lula, o Filho do Brasil', do diretor Fábio Barreto, que estreia em janeiro
No Brasil para divulgar o filme sobre a vida do presidente, Glória Pires fala de novelas, de drogas e do medo de morrer
Glória Pires desembarca no
Brasil nesta semana para a maratona de pré-estreias de "Lula,
o Filho do Brasil", que será lançado no circuito comercial em
janeiro. No filme, de Fábio Barreto, a atriz interpreta Lindu, a
mãe do presidente da República, que partiu de Caetés, no interior de Pernambuco, há 57
anos, num pau de arara, para
fugir da seca e tentar vida melhor em SP.
Antes de embarcar, a atriz
conversou com a coluna por telefone, de Paris, onde passa
temporada com o marido, Orlando Morais, e três filhos. Aos
46 anos, e comemorando 40 de
carreira, Glória falou de Lula e
de Paris, de novelas e de drogas,
de dona Lindu e do medo de
morrer. A seguir, um resumo:
O FILME
GLÓRIA PIRES - Eu vi uma cópia
bruta, uma primeira montagem que mandaram para Paris.
Gostei muito do que vi. Agora,
eu, particularmente, acho muito difícil me assistir. É uma coisa extremamente desconfortável para mim, eu tenho muita
dificuldade. Então, cada estreia
é um sofrimento. Eu não consigo relaxar, não consigo.
Eu quero que as pessoas assistam ao filme. E que levem
um lençol. Eu chorei muito. O
filme é muito bonito, tocante.
Vi num CD com uma marca
d'água escrito Glória Pires [para evitar pirataria]. Então fica
aquele Glória Pires o tempo inteiro na tela, sabe? Pra ver um
filme assim, e pra ter me emocionado, olha lá, hein?
FOLHA - Você não chora?
GLÓRIA - É um defeito da profissão. Mesmo quando vou como espectadora, estou sempre
vendo a questão técnica, a forma como aquilo foi realizado, o
resultado daquilo, sabe?
LULA
GLÓRIA - Eu não tinha a menor
ideia [da vida de Lula]. É uma
história bastante emocionante,
sofrida. E é uma história tão comum, na verdade, que a gente
ouve tanto, da pessoa que sai de
uma situação onde tudo a empurra para ser de um jeito e ela
transforma completamente o
seu destino, contra todas as
probabilidades. Então eu acho
que as pessoas ficam muito mexidas com isso, porque por acaso essa história, que é como a de
milhares de brasileiros, se passou com um homem que é nosso presidente, por dois mandatos. É muito impressionante.
FOLHA - O filme mostra as greves
do ABC. Você acompanhava a carreira de Lula de perto nesta época?
GLÓRIA - Não, não.
FOLHA - Zezé Di Camargo já disse
que tinha pânico do Lula na época. E
você, o que pensava dele?
GLÓRIA - Eu... eu não pensava
nada. Eu via. Não pensava nada.
FOLHA - Você votou nele em 89?
GLÓRIA - Ah, mas eu não gostaria de falar sobre isso. Sabe por
quê? O que eu posso falar sobre
o filme é o que eu fiz ali. Eu não
posso dar opinião sobre o Lula
ou sobre se eu votei nele. Eu
não sei se é gentil, sabe? Eu fico
me colocando no lugar dele. Ele
é hoje o nosso presidente e de
repente todo mundo vai ter
acesso à história da vida dele.
Ele tá tão exposto já, sabe?
FOLHA - É que eu fiquei curiosa.
GLÓRIA - É, eu votei, num momento eu votei nele.
FOLHA - Não teve medo, como a
Regina Duarte?
GLÓRIA - Não, assim... Num determinado momento, quando
começou a sair aquelas coisas
todas do PT... mas eu não quero
ir por aí. Sabe, tudo o que a gente conversar pode potencialmente ser publicado, né?
DONA LINDU
GLÓRIA - Eu participei de uma
confraternização da família [de
Lula]. Estavam todos os irmãos, menos o Lula. Antes que
eu perguntasse, a família começava: "Ela era assim, ela era assado, ela era positiva". O que
me tocou foi o estado de emoção das pessoas quando começavam a falar dela. Um primo
dela falou: "Lindu era uma coisa linda. Era uma alegria". Embora fosse extremamente sofrida, tivesse perdido três filhos,
três irmãos, apesar das dificuldades, ela gostava de contar
piada, cantava. Era positiva,
uma mulher muito viva.
FOLHA - Você conversou também
com o presidente Lula em Brasília
sobre dona Lindu, não é?
GLÓRIA - Seria um encontro de
dez minutos e acabou durando
quase uma hora. Eu queria informações sobre ela, qual das
irmãs dele era mais parecida
com a mãe, como era a voz dela,
o jeito de ela falar. Ninguém sabia dizer exatamente. Ele falou
que a voz dela parecia com a da
irmã, Marinete. Foi o único dos
filhos que me deu uma dica assim, precisa, sabe? Ele estava
surpreso, interessado em saber
um pouco do projeto [do filme].
CHAPA-BRANCA
GLÓRIA - As pessoas têm liberdade de fazer suas críticas, de
gostarem ou não gostarem.
Mas eu não sinto o filme... ele
não é chapa branca. Eu nem faria, porque não é o meu estilo.
Ele conta uma história real, de
uma pessoa que passou por
aquelas coisas. Agora, se as pessoas vão falar, não vão falar, não
dá nem pra ir por aí, né?
BALANÇO
FOLHA - Você está comemorando
40 anos de carreira. Sentiu o tempo
passar?
GLÓRIA - Menina, não senti. Eu
fico abismada como o tempo
voou, meu Deus.
FOLHA - E qual é o balanço?
GLÓRIA - É bom. Eu continuo
sendo feliz com o que faço. A
minha vida pessoal seguiu também e ela é extremamente interessante. Tenho uma família,
tenho meus amigos, a minha vida particular. E eu tive muita
sorte. Sempre recebi excelentes propostas, excelentes personagens. E estou cheia de gás
para continuar por mais 40
anos, com fé em Deus, bem velhinha, bem curvadinha.
FOLHA - Tem medo de envelhecer?
GLÓRIA - Eu sempre pensei
muito sobre isso, talvez por ter
tido uma avó muito próxima, e
por meu pai ter falecido já bem
idoso, lutando contra o Mal de
Parkinson. Trabalho para uma
velhice saudável. E te digo com
pureza d'alma: se eu tivesse a
oportunidade de voltar em
qualquer época da minha vida,
eu não voltaria em momento
nenhum. Nem os melhores
momentos eu gostaria de reviver. Gosto de olhar pra frente.
FOLHA - E a perda da beleza física?
GLÓRIA - Eu tenho uma coisa
resolvida com isso. Sei lá, eu tenho meus filhos, eu tenho meu
marido, sabe? Não tenho essa
prisão. Isso não rola pra mim.
FOLHA - Já fez plástica?
GLÓRIA - É uma coisa muito
pessoal, eu não gostaria de falar
isso assim para o jornal. Cada
um sabe de si. Se vai te fazer feliz, eu acho legal. Se não sente
falta, também acho legal.
FOLHA - Tem medo da morte?
GLÓRIA - Nunca tive. Uma certa
época, de repente, comecei a
ter. Sei lá, eu acho que essa coisa está muito ligada ao medo de
perder as pessoas. Embora a
Cléo [filha da atriz] já tenha 27
anos, eu tenho o Bento [seu filho caçula], de cinco. Mas eu
acho que [o medo] está ligado
justamente ao fato de estar morando tão longe do local do trabalho, de ter que ir ao Brasil
deixando meus filhos aqui. A
gente fica, né, com essa paúra.
FOLHA - E Paris, que tal?
GLÓRIA - Divino. Divino.
FOLHA - Fica pra sempre?
GLÓRIA - Pra sempre é muito
tempo. E o nosso Brasil, vamos
respeitar, né? É um lugar incrível também. Faz falta. Mas aqui
está muito bom. Eu tô muito feliz, usufruindo cada dia dessa
sensação de segurança, que
traz a liberdade. É uma sensação ma-ra-vi-lho-sa.
FOLHA - Que você não tem aqui?
GLÓRIA - Aí você tem medo de
ficar exposto a tanta demência,
a tanta violência. Você tem medo de estar no trânsito e de ser
assaltado, de levar um tiro por
nada. Todo mundo que vem pra
cá tem essa mesma sensação.
Quando entram no metrô, as
pessoas comentam: é tão bom
isso, né? Poder entrar no metrô
usando seus casacos, seus relógios, suas bolsas. No Brasil, somos prisioneiros trancados em
carros blindados.
FOLHA - Usa carro blindado aqui?
GLÓRIA - Claro.
FOLHA - Vê solução?
GLÓRIA - Eu acho que primeiro
você tem que dar dignidade à
polícia. Não pode deixar espaço
para eles serem subornados pelo lado oposto. Da mesma forma que tem que ganhar dignidade para ser cobrada em suas
atitudes, a polícia tem que reaver o seu posto de guardiã.
FOLHA - Há quem proponha a descriminalização de determinadas
drogas como parte da solução.
GLÓRIA - Tudo o que é ilegal
tem espaço para crescer. É lógico. E quem se beneficia do lucro de uma atividade ilegal? As
pessoas ligadas diretamente a
ela. Não tem bem nenhum comum. A partir do momento em
que uma coisa é legalizada, ela
tem um imposto, uma taxa,
passa a existir realmente. É um
pouco de ingenuidade achar
que nos dias de hoje a proibição
ainda pode ser eficiente. Não
sei se [a legalização de drogas]
seria a solução do problema,
mas acho que é uma parte dela.
NOVELAS
GLÓRIA - Desde que eu me entendo por gente, ou há uns 20
anos, eu escuto isso. Mas será
que a fórmula da novela está
mesmo gasta? O que eu vejo é
que eles continuam fazendo as
novelas e que as pessoas continuam assistindo. Em menor
quantidade, mas continuam.
Existe uma preocupação com a
formação de novos autores, há
um espaço para gente jovem.
Mas os que assistem gostam.
Eu acho que a questão principal
[da queda de audiência] é a falta
de tempo das pessoas.
FOLHA - Você vê menos TV hoje?
GLÓRIA - Muito menos. E vou
menos ao cinema.
FOLHA - Quantas horas?
GLÓRIA - Ah, não. Horas? Não
chega a horas, de jeito nenhum.
Eu realmente não tenho tempo. Eu vejo algumas cenas de
novelas. As crianças ficam vendo TV no quarto, a Globo Internacional. Eu escuto alguma coisa que me chama a atenção,
corro lá pra ver, assisto à cena e
volto pra trabalhar.
Frases
"Por acaso essa história,
que é como a de milhares
de brasileiros, se passou
com um homem que
é nosso presidente. É
muito impressionante"
"Se eu tivesse a
oportunidade de voltar
em qualquer época da
vida, não voltaria. Nem
os melhores momentos
eu gostaria de reviver"
"Não sei se [a legalização
de drogas] seria a
solução, mas acho
que é uma parte dela"
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