São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2000

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CRÍTICA

Filme mostra Brasil em moeda corrente, sem perspectivas



INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DE CINEMA "X uxa Popstar" é o exemplo acabado de certo "cinema industrial brasileiro", que alguns preconizam como salvação da pátria: o filme que não tem como dar errado e pode enfrentar triunfalmente a competição desigual no mercado interno.
Seria possível dizer que Os Trapalhões, por exemplo, também competem no mercado interno. Mas são bem outros os elementos com que trabalham.
Os elementos usados em "Xuxa Popstar" são, em poucas palavras, um argumento que roça a idiotia, a própria Xuxa (isto é, a TV), uma montanha de conjuntos bregas e outra de desfiles de moda. Trata-se de uma mistura de celebração do universo midiático com a degeneração de todas as utopias (a marxista, a getulista, a positivista -qualquer uma) de construção de um país digno que já se pôde cultivar algum dia.
Passemos pela intriga: Xuxa é uma modelo internacional em ocaso de carreira que volta ao Brasil para se tornar executiva de uma agência de modelos, a Popstar. Existe, porém, uma agência inimiga disposta a sabotar seu trabalho. Paralelamente, a solitária Xuxa cultiva um amor virtual (via Internet) com alguém que se assina Raio de Luz.
A infantilidade da intriga não tem importância, já que o filme se destina a um público infantil. Grave, no caso, é que os seus realizadores tenham tão pouca convicção do que fazem (exceto pelo aspecto argentário) que a história deve ocupar uns 20 minutos de filme, cabendo o restante aos cantores bregas e desfiles.
Seria possível argumentar que o copioso desfile de músicos faz parte de nossa tradição. A chanchada não era, afinal, muito diferente disso. Existe entre os dois, no entanto, ao menos uma diferença profunda. A chanchada sabia se relacionar com o mundo real, o que "Xuxa Popstar" recusa inteiramente. Pela chanchada, conhecemos o Rio dos anos 50, suas tensões (morro/cidade, por exemplo), seu humor, certa disposição das pessoas.
Aqui, ao contrário, o mundo exterior só é solicitado a comparecer quando se trata de fazer merchandising de algum produto.
É impossível negar que existe aí certo gênio. O Brasil de Xuxa não é propriamente um país. É um lugar propício a negócios, em que o triunfo se resume, em linhas gerais, a alcançar a fama.
Esse pensamento é mediado por um fraseado enjoativo, do tipo "não se ensina ninguém a vencer" (leia-se: todos têm oportunidades, mas só alguns poucos eleitos chegam lá; os que não chegam é por culpa própria) ou "por mais longa que seja a noite, o dia sempre chega" (entenda-se: a coisa está ruim, mas confie, porque vai melhorar).
Seria injusto acusar esse pensamento de conformista. O conformismo é o que ele tem de melhor. O que assusta é o aspecto lobotomizante da empreita, cujo grande momento está na peroração de Xuxa a duas crianças: se alguém lhes oferecer cigarro ou bebida, recusem; a droga faz mal não apenas ao corpo como ao espírito.
Aí é um pouco mais grave. Se levarmos em conta o caráter infantil da personagem de Xuxa, representada por uma mulher já entrada em anos, podemos ler isso como uma subliminar pregação das drogas, porque será justo a qualquer um, ao ver isso, indagar-se se não é a falta de álcool e nicotina que deixou essa pessoa assim meio abobalhada.
O filme é, em suma, um depoimento deprimente, mas muito significativo, sobre a maneira como o Brasil se encara: uma nação sem imagem e sem perspectivas, a não ser o "sucesso" -entendido aqui como a capacidade de amealhar uma montanha de dinheiro. Em suma, um país sem valores a não ser os que se podem medir em moeda corrente.



Xuxa Popstar
  Direção: Paulo Sérgio de Almeida e Tizuka Yamazaki
Produção: Brasil, 2000
Com: Xuxa, Leonardo, Luigi Baricelli, Marcos Frota, Luís Salem Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Astor, Iguatemi e circuito




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