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CRÍTICA
Filme mostra Brasil em moeda corrente, sem perspectivas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
"X uxa Popstar" é o exemplo acabado de certo "cinema industrial brasileiro", que
alguns preconizam como salvação da pátria: o filme que não tem
como dar errado e pode enfrentar
triunfalmente a competição desigual no mercado interno.
Seria possível dizer que Os Trapalhões, por exemplo, também
competem no mercado interno.
Mas são bem outros os elementos
com que trabalham.
Os elementos usados em "Xuxa
Popstar" são, em poucas palavras,
um argumento que roça a idiotia,
a própria Xuxa (isto é, a TV), uma
montanha de conjuntos bregas e
outra de desfiles de moda. Trata-se de uma mistura de celebração
do universo midiático com a degeneração de todas as utopias (a
marxista, a getulista, a positivista
-qualquer uma) de construção
de um país digno que já se pôde
cultivar algum dia.
Passemos pela intriga: Xuxa é
uma modelo internacional em
ocaso de carreira que volta ao
Brasil para se tornar executiva de
uma agência de modelos, a Popstar. Existe, porém, uma agência
inimiga disposta a sabotar seu trabalho. Paralelamente, a solitária
Xuxa cultiva um amor virtual (via
Internet) com alguém que se assina Raio de Luz.
A infantilidade da intriga não
tem importância, já que o filme se
destina a um público infantil.
Grave, no caso, é que os seus realizadores tenham tão pouca convicção do que fazem (exceto pelo
aspecto argentário) que a história
deve ocupar uns 20 minutos de
filme, cabendo o restante aos cantores bregas e desfiles.
Seria possível argumentar que o
copioso desfile de músicos faz
parte de nossa tradição. A chanchada não era, afinal, muito diferente disso. Existe entre os dois,
no entanto, ao menos uma diferença profunda. A chanchada sabia se relacionar com o mundo
real, o que "Xuxa Popstar" recusa
inteiramente. Pela chanchada, conhecemos o Rio dos anos 50, suas
tensões (morro/cidade, por
exemplo), seu humor, certa disposição das pessoas.
Aqui, ao contrário, o mundo exterior só é solicitado a comparecer
quando se trata de fazer merchandising de algum produto.
É impossível negar que existe aí
certo gênio. O Brasil de Xuxa não
é propriamente um país. É um lugar propício a negócios, em que o
triunfo se resume, em linhas gerais, a alcançar a fama.
Esse pensamento é mediado
por um fraseado enjoativo, do tipo "não se ensina ninguém a vencer" (leia-se: todos têm oportunidades, mas só alguns poucos eleitos chegam lá; os que não chegam
é por culpa própria) ou "por mais
longa que seja a noite, o dia sempre chega" (entenda-se: a coisa está ruim, mas confie, porque vai
melhorar).
Seria injusto acusar esse pensamento de conformista. O conformismo é o que ele tem de melhor.
O que assusta é o aspecto lobotomizante da empreita, cujo grande
momento está na peroração de
Xuxa a duas crianças: se alguém
lhes oferecer cigarro ou bebida,
recusem; a droga faz mal não apenas ao corpo como ao espírito.
Aí é um pouco mais grave. Se levarmos em conta o caráter infantil da personagem de Xuxa, representada por uma mulher já entrada em anos, podemos ler isso como uma subliminar pregação das
drogas, porque será justo a qualquer um, ao ver isso, indagar-se se
não é a falta de álcool e nicotina
que deixou essa pessoa assim
meio abobalhada.
O filme é, em suma, um depoimento deprimente, mas muito
significativo, sobre a maneira como o Brasil se encara: uma nação
sem imagem e sem perspectivas, a
não ser o "sucesso" -entendido
aqui como a capacidade de amealhar uma montanha de dinheiro.
Em suma, um país sem valores a
não ser os que se podem medir
em moeda corrente.
Xuxa Popstar
Direção: Paulo Sérgio de Almeida e
Tizuka Yamazaki
Produção: Brasil, 2000
Com: Xuxa, Leonardo, Luigi Baricelli,
Marcos Frota, Luís Salem
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Astor, Iguatemi e circuito
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