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HQ
Volume, da Devir, é segundo álbum da trilogia, criada pelo quadrinista premiado, sobre detetive que luta para sobreviver
Lourenço Mutarelli lança "O Rei do Ponto" em SP
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ESPECIAL PARA A FOLHA
No sexto dia, Deus criou o homem. E deu no que deu.
Bem mais modesto - e talvez
menos entusiasmado - o quadrinista Lourenço Mutarelli criou
um detetive fracassado, que não
consegue levantar sequer o dinheiro para um sofá de três lugares tão sonhado pela mulher.
Mulher, aliás, que o trai com um
técnico de aparelhos de televisão.
Diomedes, o extremo oposto de
Sherlock Holmes, é o personagem
central do álbum "O Rei do Ponto" (segundo de uma trilogia iniciada com "O Dobro de Cinco"),
que Mutarelli lança hoje em São
Paulo, pela editora Devir.
Leitor de romances policiais
norte-americanos -mas apaixonado também por Kafka, Dostoiévski e Strindberg-, o quadrinista paulistano procurou sintetizar em Diomedes todas as fraquezas, mazelas e imperfeições de
uma realidade terceiro-mundista.
O detetive nem de longe possui
o glamour dos personagens de
Raymond Chandler, David Goodies ou James Ellroy. Não tem sequer o charme de um anti-herói.
O álbum, no entanto, se equipara
em qualidade às histórias dos
grandes autores mundiais de quadrinhos, como Will Eisner, Moebius ou a dupla Alan Moore e David Lloyd.
Os leitores brasileiros de HQ já
conhecem a criatividade de Mutarelli. Desde o lançamento de
"Transubstanciação" (1991), troféu de melhor história da Primeira Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro, o quadrinista não parou de publicar
novos álbuns e de colecionar importantes prêmios: ganhou seis
HQMIX, dois Ângelo Agostini e
um Nova. Em outubro, teve sua
obra exposta em uma sala inteira
no Festival Internacional de Amadora, em Portugal.
"Fiquei impressionado pelo respeito que os europeus nutrem pela arte dos quadrinhos", diz.
As histórias de Mutarelli têm
primorosos enquadramentos, sequências, composições de cenas e
jogos de luz e sombra. O roteiro e
os diálogos também demonstram
a destreza de um atento consumidor de literatura.
"Quando crio uma sequência,
penso como um diretor de cinema. Tento explorar ao máximo as
técnicas de enquadramento e de
ângulos inusitados. No tratamento de cada quadro, procuro agir
como um pintor", enfatiza.
Em vários trechos de "O Rei do
Ponto" há, inclusive, sugestões de
trilha sonora, anotadas à margem
dos quadrinhos.
Em uma das sequências finais,
por exemplo, o autor indica a audição de "XiqueXique", de Tom
Zé e José Miguel Wisnik, para
acompanhar a perseguição de um
ladrão de carros pelo detetive
Diomedes, montado em uma retroescavadeira.
Além de mais um elemento da
história, isso deriva de um hábito
antigo: Mutarelli costuma desenhar todos os dias, sempre ouvindo música, de Gardel a John Cale,
Bob Dylan, Tom Zé e Elomar.
O volume que fecha a trilogia
com o personagem Diomedes já
está em andamento e deve ser
lançado em 2001.
Mutarelli fez de tudo para assassinar o personagem logo na
primeira história, mas não conseguiu: o detetive insistiu tanto que
acabou conseguindo sobreviver.
Mesmo sem dinheiro, bebendo
muito e apanhando à beça, deixou claro para o autor que não está disposto a desistir facilmente.
"Diomedes tem muito a ver
com a realidade que os próprios
artistas vivem no Brasil. As pessoas pensam que todos os verdadeiros criadores são famosos,
aparecem na TV, ganham muito
dinheiro. A maioria tem que suar
muito para pagar o aluguel."
Álbum: O Rei do Ponto
Autor: Lourenço Mutarelli
Editora: Devir
Quanto: R$ 17,50 (114 págs.)
Lançamento: hoje, às 19h30
Onde: Merlin Comics Store (r. Fradique
Coutinho, 612, tel. 0/ xx/11/3272-8200)
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